São Paulo, domingo, 17 de setembro de 2000

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Minha primeira vez

Eu vi. Com estes olhos que a terra há de comer. Eu estava lá, no Centro Aquático, quando o Brasil ganhou sua primeira medalha. Por um ingresso que custou reles R$ 450, assisti ao vivo o Brasil ganhar sua medalha de bronze. E foi, pode-se dizer, um bronze dourado. Creio que só a mãe do Edvaldo Valério acreditava que ele pudesse recuperar duas posições nos últimos 50 m e ganhar uma medalha. Mas ele não decepcionou sua progenitora e ainda venceu com um braço de vantagem. Ou 34 centésimos, como preferem os matemáticos.
O Centro Aquático estava cheio, mesmo com um ingresso tão caro. Os australianos são animados para a natação. São uma mistura de torcida de futebol, com gritos em coro, palmas e músicas, como tietes de cantores sertanejos, aquelas que ficam gritando o nome de seu ídolo. Só que, em vez de berrarem ""Chororó, Chororó!", elas urram ""Thorpe, Thorpe!".
Foi uma daquelas provas para dar emoção. Primeiro tivemos alegria, pois o Xuxa saiu bem e fez os primeiros 50 m em terceiro lugar, mas logo veio a tristeza, pois ele completou os 100 m em quinto. A esperança voltou com Borges, que recuperou uma posição. Mas veio de novo o desespero, porque Jayme entregou o bastão em quinto lugar. Mas aí veio a redenção com Valério, que ultrapassou dois e trouxe o time para o pódio. Fez um tempo excelente, 49s12, e mostrou o estilo mais bonito entre os brasileiros, já que os outros três nadam de uma maneira mais nervosa, com braçadas mais curtas e rápidas. São o oposto de Ian Thorpe, o Thorpedo. Mas isso de beleza de estilo não conta ponto e o que importa é que ficamos em terceiro.
E é muito bom ficar em terceiro. Ser terceiro é tropeçar na beira da escada, mas conseguir segurar no corrimão, é deixar cair um copo e pegá-lo no ar, é chegar atrasado ao primeiro encontro, mas, para sua sorte, ela chega mais atrasada ainda, pede mil perdões e diz que por causa disso você pode escolher o programa que quiser. Na verdade, ser terceiro é até melhor que ser segundo. Era só ver a cara dos norte-americanos no pódio para ter certeza disso. Estavam abatidos, com sorriso mais amarelo que a roupa dos australianos.
Além disso, o quarteto brasileiro foi um quarteto especial. Eles são de cores diferentes, de lugares diferentes (Florianópolis, Ribeirão Preto, Goiânia e Salvador) e de idades diferentes (26, 27, 20 e 22). Dois são parte da melhor geração da nossa história e dois são a melhor parte da história da próxima geração. E, com a quarta premiação, Borges vira o maior medalhista olímpico do Brasil. Eu vi. Com estes olhos que a terra há de comer. Ou melhor, que alguém há de usar, pois eu sou doador.
E-mail torero@uol.com.br


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