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TOSTÃO
A noite de uma campeã
Maria chegou à Vila
Olímpica para dormir. No
dia seguinte, disputaria a prova
de sua vida. Era forte candidata
ao ouro nos 100 m nado livre.
Deitou-se, e, rapidamente, as
imagens de sua trajetória esportiva tornaram-se claras. Viu-se aos
9 anos, ao lado de seus pais e na
frente do médico. O doutor dizia
que ela tinha asma. Recomendou
que nadasse bastante.
Maria estudava numa escola
pública. Seus pais não tinham
condição de pagar as aulas de natação. Durante meses, tentaram
conseguir um lugar público. Nada! Viviam num país injusto e pobre. Mais injusto do que pobre.
Marcos, antigo campeão olímpico de natação, era professor de
uma escola particular. Soube das
dificuldades da garota e arrumou
um lugar pra ela, de graça.
Maria se apaixonou pela natação. Tinha muito talento, disciplina e coragem. Marcos logo percebeu que ali poderia estar uma futura campeã. Depois do primeiro
ano, Maria passou a nadar cinco
horas por dia. À noite, estudava.
Acordava bem cedo e pegava um
ônibus para a escola. Após a aula,
lanchava e ia para a piscina.
Criou-se uma grande expectativa em torno dela. Sabia que precisava viver com os pés no chão e
não somente na água. Escutara
várias histórias de atletas que investiram no esporte, abandonaram os estudos e se deram mal.
Ficaram no meio do caminho.
Nem uma coisa nem outra. Tornaram-se frustrados.
Dos 10 aos 20 anos viveu nessa
rotina: nadando e sonhando em
ir a uma Olimpíada. Mais que isso, ganhar uma medalha de ouro.
O importante era vencer. Pensava, mas não dizia. Nada mais
triste que a derrota.
Tentou dormir, mas não conseguiu. Acordou seu técnico. Ele a
tranquilizou. Isso era comum.
Significava que ela estaria mais
concentrada na hora da prova.
Lá pelas 2h, dormiu e sonhou
que estava na piscina, pronta para o início da competição.
Na raia quatro, pensou na família e nos amigos. Estavam todos assistindo pela TV. O Brasil
estava de olho nela. Se vencesse,
seria um mito. Se perdesse, apenas uma ótima atleta. Tudo se decidiria em menos de um minuto.
No momento do tiro de largada,
acordou. Eram 8h. A prova aconteceria em poucas horas.
Naquele instante, questionou se
valeu a pena. Passou a parte mais
importante de sua vida nadando.
Deixou uma outra vida. Lembrou
que em nenhuma outra profissão
viveria tanta emoção. Valeu!
Levantou-se tranquila. Nesse
momento, teve a convicção de
que, depois da prova, ganhando
ou perdendo, abandonaria o esporte de competição. Começaria
uma nova vida. De gente comum.
Sentia também algo misterioso,
inexplicável. Uma certeza absoluta de que ganharia a medalha de
ouro. De onde vinha essa impressão? De suas qualidades técnicas,
de um sentimento místico, da certeza de que o destino estava traçado, ou seria tudo uma ilusão?
Pensou: "Será que existe uma
personalidade, uma característica emocional de um campeão?
Ou toda a lenda que se constrói
sobre ele acontece somente após a
vitória?".
Maria abriu a porta, entrou no
ônibus e foi para a piscina. Confiante. Sentiu-se mais que uma
atleta, um computador programado para vencer. Era humana.
E-mail
tostao.folha@uol.com.br
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