São Paulo, terça-feira, 17 de setembro de 2002

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BASQUETE

Indygência

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Em entrevista ao "Estado de S.Paulo", Hélio Rubens identificou o responsável pelos embaraços da seleção masculina em Indianápolis: "Não adianta os jogadores treinarem errado durante 11 meses no Brasil, e eu tentar consertar com um mês".
Correto. Falta, das categorias de base às divisões de elite, trabalho tático e técnico de ponta no país.
O mercado nacional vive por um único, e rasteiro, objetivo.
Na molecada, a prioridade deveria ser o ensino, lúdico, de fundamentos e leitura de jogo.
Mas vale a pressão desmedida, de pais e cartolas, por resultados. É comum, por exemplo, o garoto alto ser empurrado para a função de pivô a despeito de suas habilidades e, pasme, seu potencial biotípico. A maioria desiste, ou tem que se readaptar uma vez adulto.
Nos profissionais, deveria haver a busca incansável pelo aperfeiçoamento, por um sistema de jogo competitivo, capaz de otimizar as qualidades e ocultar as deficiências do atleta brasileiro.
Prevalece, contudo, o "marketing tático": ajunta-se um grupo de estrelas de brilho doméstico, que, sem oponentes e sem compromisso com o futuro, trabalha para coletar títulos (o Ajax, de Goiânia, é a bola da vez, anote).
O dia-a-dia logra o desavisado, ademais entorpecido pelo discurso adoçado da TV. Fala-se que o basquete brasileiro evoluiu, que está pronto para se reerguer.
Mas a ilusão se despedaça, a cada quatro anos, nos Mundiais.
Na verdade, o Brasil emburrece nas quadras, alheio ao que se faz de melhor no mundo.
Viu-se em Indianápolis uma equipe acomodada, que não fez uma única boa atuação e que só fugiu das últimas posições graças a uma cesta salvadora (a de Marcelinho, diante dos turcos, ou a de Rogério, dos angolanos, escolha).
O Brasil, por exemplo, foi o campeão de violações de relógio no ataque -aquela situação em que o time "morre" com a bola nas mãos depois de 24 segundos, sinal inequívoco de esterilidade.
Foi um fiasco nas coberturas de defesa. E teve o pior rebote, em números absolutos e percentuais -no segundo "round", contra a desmotivada Espanha, doidinha para perder e fugir dos EUA nos mata-matas, tomou de 44 x 18 na guerra pela posse de bola.
Tão explícito no diagnóstico anticlubístico, Hélio Rubens, por elegância ou pressa, furtou-se de nomear os bois ao "Estadão". Mas, como as pistas são muito claras, não é difícil descobrir.
Decerto o treinador não se referia aos que atuam(ram) sob seu comando nos clubes: Rogério, Demétrius, Sandro Varejão e Helinho. Nem a Anderson e Leandrinho, cobras criadas na escola "francana" -o último em Bauru, onde também jogava Vanderlei.
Nem a Alex e Guilherme, atletas de Lula, o assistente do técnico da seleção, em Ribeirão Preto.
Suponho, por fim, que tampouco falasse dos jovens Tiago e Baby, formados no exterior e coadjuvantes em Indianápolis.
Chega-se, então, à conclusão de que o dedo do técnico da seleção incrimina Marcelinho, o único do grupo, por exclusão, que treina "errado" durante 11 meses.
É isso aí, gente, a culpa é do Marcelinho. Culpa do cestinha, que driblou, bateu para dentro, ganhou no "um contra um", imitou os Bodirogas. Fora Marcelinho! Chispa! Xô! No Pré-Olímpico de 2003, teremos Chuí de volta, as jogadas numeradas vão "entrar", e Helinho estará no auge.

Indygnação
Não engula o discurso de que o Mundial cobrou caro pela renovação. Os finalistas, Iugoslávia (27,6 anos) e Argentina (27,4), levaram a Indianápolis titulares tão jovens quanto os do Brasil (26,8). E cada seleção levou a Indianápolis seis atletas de até 25 anos.

Indygestão
A equipe colheu, sim, os frutos da valorização das categorias de base e do intercâmbio de adultos. Mas, ao elogiar o desempenho da seleção dos vizinhos, não ignore o que estruturalmente distingue seu basquete do brasileiro: a existência de uma liga profissional, autônoma em relação à confederação, que festejou 20 anos na semana em que os argentinos vibravam com o vice-campeonato.

Indyferença
Com atraso, minha seleção do Mundial: Ginóbili e Oberto (Argentina), Stojakovic e Bodiroga (Iugoslávia) e Nowitzki (Alemanha).

E-mail melk@uol.com.br



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