São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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FUTEBOL

A miséria alheia

MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA

Poucas vezes, mesmo nos seus dias mais sombrios, o futebol brasileiro roçou o fundo do poço como na noite da terça. Foi quando se transformou em cafetão da miséria alheia. O América ofereceu uma dezena de empregos. Levou mais de 20 mil desesperados ao sorteio no Mineirão.
Em troca, queria apoio ao time que despenca para a Terceirona. Fracassou, em partida sem gols, contra o CRB. Em campeonatos sérios é assim: uns caem, outros sobem. Buscar na tragédia social o fermento para encher arquibancada é das passagens mais sórdidas, embora não inédita, já assistidas nos nossos estádios.
Não foram apenas as vagas na construção civil e em um hospital que chamaram o público. Havia também 20 cestas básicas. Um dos idealizadores da jogada estimava em 9.000 os aflitos a dar as caras. Seria o triplo do maior borderô do clube na competição. Subestimaram a pobreza.
Cada espectador pagou R$ 1 pelo ingresso. No intervalo, sortearam os empregos. Camisas cruzeirenses e atleticanas equivaliam às americanas. Nada a ver com solidariedade dos mais fortes com os mais fracos, como em jornadas que quem viveu não esquece. Não se tratava de torcer. Mas de driblar os perrengues da vida. E cair diante da miséria humana.
Quem quer criar emprego, porque precisa de mão-de-obra ou por filantropia, pode e deve criá-los. É porém expediente abjeto usar oferta de trabalho como chamariz para uma equipe que não honra as glórias da agremiação que neste ano festeja 92 anos.
 
O América divulgou que o presidente da CBF esteve na festa do 92º aniversário. Pouco tempo depois, Ricardo Teixeira foi um dos artífices do jogo do Brasil no Haiti. Seria enfadonho revisitar divergências sobre o evento "humanitário". A novidade é um vídeo de menos de sete minutos que a CBF distribui.
Em meio a imagens arrepiantes de haitianos saudando os jogadores brasileiros a caminho do estádio, impõe-se um protagonista: Ricardo Teixeira. Na tela, aparece o mote: "Cooperação". O chefe da CBF fala, microfone à mão, ao lado do presidente da República. Não se ouve o que diz. O dirigente sorri quando Lula levanta a taça. Após o verbete "Coragem", o primeiro plano é o de Teixeira a descer pela escada do avião.
Em "Sacrifício", o presidente da CBF aparece falando no vestiário. Em "União", reza o "Pai Nosso" com o time. "Missão Cumprida" mostra-o posando para foto com Lula, Roberto Carlos e um engravatado local.
A seleção deixou logo o Haiti. Os miseráveis que a aclamaram nas ruas não entraram no estádio, por não serem beneficiários dos convites para amigos e por lhes faltar a fortuna relativa cobrada na bilheteria. Teixeira tem mandato até 2008. Completará 19 anos no cargo, mais do que Havelange na CBD e Getúlio no Catete. São raros os que acreditam que ele pretende pendurar a cartola às vésperas da possível Copa de 2014 no Brasil.

Profissão repórter
É uma aula de jornalismo a reportagem de Guilherme Roseguini sobre o grego que ajudou Vanderlei Cordeiro de Lima em Atenas. Comprova como, aliando persistência à técnica, se pode encontrar uma agulha no palheiro mesmo a milhares de milhas.

Rei esquecido
Pelé diz não saber que fim levou o dinheiro da ex-gigante suíça ISL investido no Flamengo. Segue a dica, sobre uma módica parcela dos valores movimentados: US$ 3 milhões foram parar em duas contas da Pelé Sports & Marketing Inc. Pelé assinou um contrato como seu presidente. Seu antigo sócio Hélio Viana, como vice. Foram eles que intermediaram o contrato da ISL com o Flamengo.

E-mail mario.magalhaes@uol.com.br

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