São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2001

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FUTEBOL

O craque e o ídolo

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Por causa do interesse que minha coluna do último domingo despertou em muitos leitores, resolvi continuar a discussão.
Sugeri que somente deveriam ser chamados de craques aqueles jogadores fora-de-série, com muita habilidade, criatividade, que executam bem os principais fundamentos técnicos da posição e que são importantes na conquista de títulos.
Isso tudo, após uma média de suas atuações no período de dois anos. No mínimo.
Foi apenas uma sugestão. Esses conceitos foram e devem ser questionados. Qual a intensidade dessas qualidades?
E o craque que não foi um grande campeão? Existe?
Estadual é um título importante? Como seriam classificados jogadores polêmicos e irregulares, como Marcelinho, do Corinthians, e Rivaldo?
Os craques devem ser diferenciados dos gênios? As dúvidas são infinitas.
Alberto Helena Júnior chama a atenção de que, hoje, existem mais jogadores que dominam melhor os fundamentos técnicos do que no passado, mas que os de ontem eram muito mais criativos. Por causa dessa qualidade, fundamental na definição do craque, havia mais atletas excepcionais.
Os craques são decisivos, mas não ganham títulos sozinhos. Quando atuam ao lado de bons jogadores e em equipes organizadas, brilham intensamente.
Muitos leitores somente consideram craques os jogadores que têm conduta profissional e particular correta ou exemplar. Confundem ídolo com craque. O ídolo é uma pessoa a quem se tem grande respeito e afeto. Nem todo craque é ídolo. Teoricamente, todo ídolo deveria ser craque.
O atleta e o ser humano deveriam ser analisados separadamente. Na prática, misturam-se. Não quero ser moralista nem julgador das condutas humanas. Todos somos pecadores. Uns mais. Outros menos.
A definição de craque é muito confusa. Fernando Pessoa disse que a vida não tem significado. Tem existência. Assim também é o craque. Não tem explicação. Ele é.
Na semana que passou, foi anunciado o tão esperado código genético humano: sequência de genes que determinam as características de um indivíduo. É uma das maiores conquistas da ciência.
O anúncio também teve algumas decepções e surpresas. Há somente 30 mil genes, número bem inferior aos 100 mil imaginados. O genoma humano é do tamanho de um rato e pouco maior que o de um verme. Bem que eu desconfiava que o ser humano não era lá essas coisas!
Na verdade, o mais importante são as combinações dos genes. 99,99% dos genes de uma pessoa são idênticos aos de outras, independentemente da cor e raça. Os racistas e xenófobos ficaram frustrados. Concluiu-se ainda que o ambiente e a cultura são muito mais importantes do que se pensava.
Uma das principais consequências da descoberta será a prevenção de doenças. Isso ficará mais evidente quando se descobrir a função de cada gene.
Já sabemos quais são os fatores que facilitam o aparecimento de doenças degenerativas e, mesmo assim, pouco fazemos para preveni-las. No inconsciente, sentimo-nos imortais.
Há também o lado negativo. Os hipocondríacos não descansarão enquanto não acharem um gene torto, doente, que ocasionará alguma enfermidade.
Atualmente, existe uma supervalorização da genética. É a moda.
Tudo é genético: a tristeza, a alegria, a escolha sexual, as doenças, a violência, a minha preferência por sorvete de coco, o destino, a criatividade e a mediocridade dos jogadores, a simpatia e a técnica do Guga, a chatice do Marcelinho, do Corinthians, e muitas outras coisas.
A excessiva importância dos genes retira a responsabilidade do indivíduo para com seus desejos e destino. Será que não tem importância o ambiente, os sonhos, os encontros e os desencontros pela vida, as frustrações e os mistérios?
Os psiquiatras biológicos e os apaixonados pela ciência responderão: "Claro que sim! Mas somente se os genes permitirem". Amém!
Na convocação dos jogadores brasileiros para a partida contra os Estados Unidos, Leão enfatizou que quer definir um time, um elenco, e uma postura superofensiva. Isso é muito bom! Vamos ver na prática.
Imagino que o Christian passeava em Paris e recebeu a notícia: "Você foi convocado para jogar ao lado do Romário".
O jogador deve ter pensado: "Quando estava com prestígio atuei na seleção e fui mal. Sou reserva desse fraco time do Paris Saint-Germain e jogo na mesma posição do Romário. Só pode ser trote".
O melhor da entrevista coletiva de convocação foi a ausência da pose, prepotência e falta de transparência da época do Luxemburgo.
As coisas precisam ser descobertas, transparentes, ditas e analisadas. Tintim por tintim. Coisa por coisa.
Parabéns à Folha, pelos 80 anos.

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tostao.folha@uol.com.br



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