São Paulo, sexta-feira, 18 de maio de 2001

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FUTEBOL

A lição de Denival

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Poucas coisas dão tanto prazer como a vingança. Ela nos rega a alma com uma sensação de justiça e equilíbrio. "Doce é a vingança", dizem os poetas. "A vingança é um prato que se come frio", diz a sabedoria popular. "Minha é a vingança", diz ninguém menos que... Deus.
Ela foi a causa de guerras e o tema de obras clássicas da literatura: Por que Iago, um dos mais famosos personagens de Shakespeare, quis vingar-se do seu comandante, o mouro Otelo? Por ter sido preterido numa promoção. Por que Diadorim passou a integrar o grupo de Riobaldo Tatarana, em "Grande Sertão: Veredas"? Para acabar com a vida do jagunço Hermógenes e vingar o assassinato do pai.
É por essas e outras razões que imagino a alegria dos palmeirenses após o time ter derrotado o São Caetano, anteontem. Foi mais que uma vitória, foi uma vitória com sabor de vingança.
Apesar de o clássico Verdão x Azulão não ter ainda um ano de vida, pode-se dizer que já tem seu histórico. O time do ABC vem construindo uma reputação de asa negra (ou azul) do Palmeiras, assim como a Lusa foi um dia para o Santos e o Juventus foi, outrora, para o Corinthians.
A desclassificação na Copa João Havelange deixou a torcida alviverde de queixo caído e acabou com a banca do time "bom e barato" de Marco Aurélio. Viu-se que boa e barata era a equipe de Jair Picerni. A equipe do Parque Antarctica era apenas "barata e barata".
É verdade que o Palmeiras venceu o jogo do Paulistão -2 a 0-, mas aquilo não foi mais que uma vingancinha. Uma vingança, para valer, precisa ser vingança com vê maiúsculo.
Desta vez, sim, pode-se dizer que ela veio.
O São Caetano teve o jogo nas mãos e esteve muito perto de um avanço histórico na Libertadores, apagando a má impressão deixada com a campanha da primeira fase. A cada chuveirinho inútil, a cada bola perdida, a tragédia se desenhava no gelado Parque Antarctica. Mas o Palmeiras conseguiu a sobrevida graças ao descerebrado Aílton e aos pênaltis. Agora parte para um duelo sentimental contra Felipão.
Foi uma vingança? Sem dúvida. Mas lembrou-me um pouco o caso de Denival, que, numa quermesse ocorrida em Itariri, topou com a namorada aos beijos com outro. Cego de ciúmes, ele pegou a primeira arma que viu e saiu atirando como um louco. O amante caiu fora, e a namorada, ajoelhada, em prantos, pediu desculpas. Denival ficou feliz a princípio, mas, depois, olhando para o chão, achou engraçado o fato de que não havia ali nenhuma poça de sangue. Só então se deu conta de que tinha atirado com um revólver de espoleta. As pessoas trocavam risinhos, e ele não sabia se considerava aquilo uma vitória ou uma derrota.
O triunfo do Palmeiras, guardadas as proporções, foi como a vingança de Denival. Apesar da desforra e do final feliz, não sei se há razões para muita festa: o time não conseguiu impor seu ritmo (nem quando o São Caetano estava com dez), pressionou o adversário de forma caótica, sofreu inúmeros contra-ataques e só fez o gol depois de uma jogada individual.
Os torcedores que me desculpem, mas, jogando esse futebol, o time não vinga.

Inhos
O leitor Guilherme Meirelles nota que as tragédias do Santos sempre estão associadas ao sufixo "inho". Ele não recua até os tempos de Toinzinho, Toninho Carlos e Serginho Fraldinha, mas lembra que o time perdeu o título brasileiro de 95 quando era dirigido por Cabralzinho e o goleiro era Edinho. Agora, o técnico era Geninho, e os gols do rival foram de Marcelinho e Ricardinho. Realmente uma coincidência maiúscula.

Lampião de gás
Como patriota que sou, não posso me furtar a contribuir com o nosso iluminista FHC, portanto: passarei a datilografar as crônicas na minha velha e empoeirada Lettera, sob a luz de um lampião de gás. Depois irei até o correio a pé -e enviarei o texto à Redação. Assim estarei transmitindo uma corrente (ops!) de energia (ops!) para que o Brasil saia das trevas e retome o caminho da luz (ops!). Força (ops!), presidente!

E-mail: torero@uol.com.br



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