São Paulo, domingo, 18 de maio de 2008

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incertezas

Copa vive escassez, excesso e desprezo

Com desinteresse do público por futebol, organização sul-africana fala em usar estádio para bungee jump após Mundial

Gastos públicos muito além do inicialmente previsto nos projetos das arenas para o torneio já levam a suspeita de cartel das construtoras


Schalk van Zuydam - 21.fev.08/Associated Press
Vista de estádio na Cidade do Cabo, que abrigará jogos na Copa

RICARDO PERRONE
ENVIADO ESPECIAL À ÁFRICA DO SUL

A poeira no saguão do aeroporto de Johannesburgo atrapalha a visão e revela o canteiro de obras em que a África do Sul se tornou para a Copa de 2010.
Por trás do ritmo frenético dos trabalhadores, estão histórias de escassez de energia e água, que contrastam com os exageros nos estádios e o derrame de dinheiro público. E ainda há o desprezo de boa parte dos torcedores, principalmente os brancos, que preferem o rúgbi.
Enquanto hotéis pedem economia de água e luz, as máquinas não param na luta para debelar o atraso nas obras, muitas vezes causado por greves.
Em Durban, o contraste chega a ponto de um shopping manter ligado um aparelho para que jovens aprendam a surfar numa piscina artificial. Bem perto dali, há praias para prática de surfe. Estranho para um país que, no mês passado, encarava racionamento de energia.
Os estádios são maiores do que o necessário para abrigar fãs do futebol após o Mundial, e os organizadores já não sabem o que farão com suas arenas.
Tanto as justificativas como as soluções para os problemas são curiosas. Em Durban, os responsáveis pelo estádio em construção planejam até criar em seu topo o maior ponto de bungee jump (atividade em que a pessoa se joga de lugares altos presa por um cabo elástico) do mundo, a cerca de cem metros de altura. E um bondinho.
Outra opção é arrendar a arena para os Sharks. Só que a equipe de rúgbi já tem o seu estádio, ainda mais imponente e que fica a poucos metros do novo, no mesmo complexo.
Em Port Elizabeth, o Nelson Mandela Bay, que corre o risco de ser descredenciado da Copa das Confederações, no ano que vem, por causa dos atrasos, saiu mais caro do que a encomenda. E a explicação chama a atenção.
"Não podemos provar, mas, como são poucas as grandes construtoras no país, elas podem ter feito um cartel, subindo os preços", afirmou Errol Heynes, diretor do projeto.
O estádio, para 48 mil pessoas, custaria cerca de R$ 335 milhões. A previsão agora está na casa de R$ 567 milhões.
"Como ocupar o estádio após a Copa? Isso é um problema, porque não temos um time na primeira divisão. Mas será uma arena multiuso que poderá receber shows", diz Heynes.
Na Cidade do Cabo, o cartão de visitas dos problemas é uma favela que fica a cinco minutos do aeroporto. Ela tem de ser removida para a ampliação da pista. Só que os moradores exigem uma boa indenização.
O governo promete moradias novas aos favelados, mas ainda não assegurou onde elas serão.
O Green Point, o estádio local, deve ser o último a ficar pronto. As obras demoraram a começar porque moradores eram contra: perderão parte de um parque. Preocupado, o governo fará uma campanha para que eles se envolvam na Copa.
Diante dos problemas, Danny Jordaan, presidente do comitê organizador, não demonstra preocupação. "Posso assegurar que todos os estádios estarão prontos para a Copa."
A ameaça da Fifa, de tirar o Mundial do país em caso de atrasos, não assusta, apesar de o México já ter herdado uma Copa da Colômbia, em 1986.


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