São Paulo, domingo, 18 de novembro de 2001

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FUTEBOL

Cumplicidade

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Não se deveria responsabilizar tanto o técnico de futebol, dos clubes e da seleção, pelas vitórias e derrotas.
Há dezenas de outros fatores envolvidos num resultado de uma partida, principalmente a qualidade dos jogadores.
Por insegurança e influência dos treinadores, os jogadores transferiram grande parte de suas responsabilidades para os técnicos. Assim, sentem-se mais seguros e protegidos. Comportam-se como crianças. Quando fazem um gol, correm para abraçar o protetor e poderoso pai. Querem reverenciá-lo e agradecê-lo.
Os técnicos incentivam esse comportamento infantil. Felipão muito mais do que os outros. Essa é sua marcante característica.
Os jogadores tornam-se humildes e submissos. O treinador tem o grupo nas mãos, como dizem.
A relação passa a ser mais afetiva do que profissional.
Muitos torcedores e até repórteres entram na roda. O grupo fica "fechado", unido e mais forte.
Há também o lado negativo da união. Os jogadores sentem-se menos responsáveis em campo. Alguns se anulam. Perdem a ousadia e a criatividade. Tornam-se burocráticos. Se perder, a responsabilidade é do professor.
Os atletas com idéias próprias e contestadores, como Romário, não servem para participar do grupo ou da família, como diz o Felipão. Podem influenciar os outros. A preferência do treinador deixa de ser somente técnica.
Após a partida contra a Venezuela, Emerson e Roberto Carlos, representantes dos jogadores, pediram publicamente a permanência do Felipão.
O fato reflete essa relação de cumplicidade. Para o certo e o errado; para o bem e o mal.

Marlene tinha razão
A torcedora Marlene tinha razão. Felipão mudou o esquema tático, escalou um time mais ofensivo, colocou um centroavante, barrou o Vampeta e a equipe não teve dificuldades para vencer a fraquíssima Venezuela. Já que a seleção não sabe atuar com três zagueiros, é melhor abandoná-lo.
Não podemos nos iludir e achar que está tudo certo e que esses são os melhores jogadores. Acordem! O Brasil ganhou da Venezuela.
Não entendi a escalação do Edmílson como volante. A vitória não apaga o erro. Há outros bem melhores para a posição. Felipão cometeu o mesmo equívoco contra o Uruguai, ao improvisar Roque Júnior no meio-campo.
Além de convocar e escalar mal durante as eliminatórias, o técnico praticou numerosos erros. Contra o Uruguai, pôs dois centroavantes: Élber e Romário. Um atrapalhou o outro. Depois, o Brasil jogou sem um centroavante contra Paraguai, Chile, Argentina e Bolívia. O ataque foi mal em todas essas partidas.
No campo do rival, a equipe foi muito defensiva. Perdeu para Uruguai, Argentina e Bolívia. Jogou mal na defesa, no meio-campo e no ataque. A postura de atuar de maneiras diferentes fora e dentro de casa, comum também nos clubes, é ultrapassada.
Felipão disse que desconhecia o que era ser treinador da seleção. Foi uma confissão indireta de seus erros. É compreensível. Por isso, vou esquecer o que passou e analisar as próximas condutas. Espero que tenha aprendido. Até a Copa, não dá mais para errar tanto. Ou será que os erros se repetirão, já que o treinador não mudará mais os seus conceitos?
Se optarem pela mudança do técnico, seria mais sensato chamar um com experiência na seleção, como o Parreira. Um novo correria o risco de passar pela fase de aprendizado e cometer os mesmos erros do Scolari. Pior, não haveria tempo de recuperação.
Gostaria de ver, pelo menos no futuro, dois treinadores na seleção. Só um teria a função de executar o treino e de ficar no banco. Os dois convocariam, escalariam e fariam o planejamento técnico e tático. Na dúvida, o de campo decidiria. É possível ou uma utopia?
A maioria dirá que isso não funciona, porque o time precisa ter a cara do treinador. Ter duas caras seria complicado. Ou isso é mais um clichê ultrapassado?
Sei que não é fácil ser técnico da seleção. Pequenos erros ganham grandes dimensões. Parreira, Zagallo, Telê e outros renomados treinadores foram também muito criticados. Além disso, quando parte da torcida e da imprensa critica o treinador, não significa que ele esteja errado. A voz do povo nem sempre é a de Deus.
Como se vê, tenho muitas dúvidas. Não tenho certeza de nada. Ninguém tem. Mas minha função é apenas opinar. O grande perigo são os técnicos, que decidem sozinhos e acham que sabem tudo.

E-mail - tostao.folha@uol.com.br


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