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FUTEBOL
O dia em que o céu parou
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
E ra um jogo divino. O céu estava abarrotado de serafins,
querubins, fadas, duendes, leprechauns, elfos, valquírias, nibelungos e mesmo espíritos malignos
que se apertavam nas arquibancadas das nuvens, enquanto vendedores ambulantes faziam a festa com seus saquinhos de maná,
ambrosia e néctar.
Jogava uma seleção de deuses
gregos contra outra equipe, esta
formada por deuses do resto do
mundo.
Júpiter era o destaque dos gregos. Ele desferia chutes potentes,
verdadeiros raios, de modo que
volta e meia se ouviam agudinhos
"ohs!" de Hera, Afrodite, Juno e
um monte de outras deusas que
juravam serem suas mulheres exclusivas.
Mas havia também Hércules,
um zagueiro parrudo e com cara
de poucos amigos.
Marte, um médio-volante irascível, e Plutão, um ponta-esquerda que jogava meio distante de
seus companheiros.
Apesar disso, foi dele o passe para o primeiro gol: um lançamento
preciso para Mercúrio, que entrou pela ponta tão rápido que
parecia ter asas nos pés e cruzou
para Netuno.
Este mergulhou e, de peixinho,
fez 1 a 0.
Mas o time adversário não estava lá para sparring. Como já disse, era uma seleção formada pelo
resto dos deuses.
Lá estavam Krishna, o goleiro
de muitos braços.
Osires, um beque de postura
majestosa e que jogava de braços
cruzados.
Exu, um lateral-esquerdo que
fazia faltas maldosas.
Odin e Thor, um meio-de-campo com entrosamento de pai e filho, e, principalmente, Tupã, a
quem a torcida chamava de Tupãzinho e que era famoso por entrar durante as partidas e ajudar
o time a reverter resultados negativos.
Acreditem ou não, foi o que
aconteceu.
Logo depois de ter entrado, Tupãzinho lançou de longe, e Buda,
de barriga, decretou o empate.
Os gregos protestaram -alegaram impedimento-, mas Deus,
Jeová, o Juiz Supremo, disse que
se era verdade que a barriga de
Buda estava um metro adiante
do último zagueiro, não era menos verdade que o centro de seu
corpo encontrava-se na mesma linha.
E assim terminou o primeiro
tempo.
A segunda etapa começou, e relâmpagos podiam ser vistos saindo do estádio das nuvens.
Ninguém queria perder aquela
partida, pois os derrotados seriam chamados de semideuses e
outros nomes feios.
As entradas mais duras se sucediam.
Era um jogo lá e cá, disputado
com lances viris e jogadas que faziam o coração dos torcedores virem à boca.
Contudo, o placar não se movia: continuava no 1 a 1.
Faltavam 20 minutos para o final da partida quando um sujeito
acanhado entrou pelas portas do
estádio, sentou-se a um canto e
começou a comer amendoim
num saquinho cor-de-rosa.
Ficou ali assistindo ao jogo discretamente, tentando não chamar a atenção.
Porém, Deus, que tudo vê, logo
percebeu de quem se tratava e parou de apitar.
Em segundos a multidão murmurava: "É ele! É ele!"
Os jogadores, envergonhados,
não conseguiam realizar nem os
lances mais fáceis.
E foi então que o Juiz Supremo e
os dois capitães, Júpiter e Thor, se
dirigiram humildemente até ele.
Deus tomou a palavra:
"Senhor, os jogadores estão embaraçados com a sua presença e
não conseguem pensar em mais
nada. Gostaria de perguntar, em
nome de todos os que aqui estão,
se o senhor se dignaria a descer
até o campo e jogar dez minutos
para cada lado. Seria uma grande honra para todos nós."
O homem disse que não, mas o
estádio inteiro começou a gritar:
"Entra!, Entra!"
E ele, sem jeito, entrou.
Controlou a bola com maestria,
deu dribles inesquecíveis e fez
com que, naqueles 20 minutos, o
céu ficasse em silêncio, como que
hipnotizado pela grandeza da
sua arte.
Foi assim a estréia de Domingos
da Guia no céu.
torero@uol.com.br
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