São Paulo, quinta-feira, 19 de dezembro de 2002

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FUTEBOL

Alegria é uma bênção

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Se fosse um filme, a final do Brasileiro mereceria o Oscar de roteiro. A sequência inicial foi dramática: no primeiro minuto, um dos destaques do campeonato sai de campo machucado, chorando de dor e frustração. Segundos depois, o goleiro do seu time, recém-recuperado de séria contusão, faz uma grande defesa. Pronto: estão delineadas as dificuldades pelas quais vão passar os "mocinhos". Preparem-se para fortes emoções!
Os santistas eram os "mocinhos" por serem novinhos e também porque a maior parte do público desejava que tivessem um final feliz. Parecia até a final da Copa, quando (quase) todo mundo que não era alemão torcia pelo Brasil. (E até os alemães reconheceriam, depois, que perderam para o melhor futebol do mundo.)
Da mesma forma, esse time do Santos conquistou fãs entre os torcedores de outros times -incluindo o Corinthians. Não foi só o anticorintianismo ou a simpatia de outras eras que transformou tantos palmeirenses e são-paulinos, flamenguistas e vascaínos em santistas de última hora. O Santos dos mata-matas mostrou tudo o que gostamos de ver no futebol: leve e aplicado, atrevido e organizado. Teve coragem, inteligência, solidariedade e alegria. E dribles, meu Deus, que dribles. E fintas, e jogadas, e golaços.
Ao contrário de todos os outros times, o Santos que chegou à final do campeonato não tinha pontos fracos (e ainda tinha bons nomes no banco). É verdade que quase não se classificou para as quartas, mas garantiu a vaga não só com a combinação de resultados (salve o Gama!) como também com seus próprios números (saldo de gols).
E, depois disso, para sobreviver, teve de tirar o melhor time até então, e o fez com duas grandes vitórias. A maturidade faria falta aos garotos? Pois eles tomaram um gol no começo do jogo de volta, com o Morumbi fervendo, e conseguiram virar (quando um empate bastava). Talvez as duas derrotas no final da primeira fase tenham dado a necessária calejada na rapaziada.
O Leão teve sorte de ter à disposição tão vistosos talentos? Sim, mas teve visão também, e peito! Trabalhou com jogadores leves, e nem por isso o time ficou vulnerável. Seus laterais apóiam bastante, mesmo assim jogou com dois zagueiros. O desenho do meio-campo era perfeito, com total equilíbrio nas funções de ataque e de defesa.
Esse time do Santos representa o resgate do verdadeiro futebol brasileiro? Em termos... É que não acho justo dizer que há tempos não vemos times ofensivos, ágeis, bonitos e vencedores. Também não acho que o Corinthians fosse o antifutebol... A grande diferença do novo campeão é o frescor.
Experiência é algo que se adquire, de um jeito ou de outro, mas frescor... O pior é que ele é difícil de manter. Quem se lembra do Ronaldinho comemorando o primeiro gol pela seleção? Foi lindo, revigorante. Mas ele não é mais aquele, claro, e nós logo perdemos a paciência (na Olimpíada, já era chamado de mercenário).
Não quero terminar com um tom triste ou desconfiado. Quero fazer jus à sequência final daquele filme de domingo, com duas viradas inacreditáveis em 15 minutos -a definitiva, do campeão, com jogadas espetaculares de Robinho, um belo gol de Elano e um petardo de direita do Léo. Problemas haverá, mas ainda é tempo de comemorar. "Alegria é a melhor coisa que existe", e que alegrias tivemos neste ano!

Jogando por música
Desisti de outros comentários para ficar com mais um pouco do "Samba da Bênção", de Baden Powell e Vinícius: "É melhor ser alegre que ser triste/ Alegria é a melhor coisa que existe/ É assim como a luz no coração/ Mas pra fazer um samba com beleza/ É preciso um bocado de tristeza/ Senão, não se faz um samba, não./ Fazer samba não é contar piada/ Quem faz samba assim não é de nada/ O bom samba é uma forma de oração (...)/ Ponha um pouco de amor numa cadência/ e vai ver que ninguém no mundo vence/ a beleza que tem um samba não/ Porque o samba nasceu lá na Bahia/ e, se hoje ele é branco na poesia/ se hoje ele é branco na poesia, ele é negro demais no coração". Trocando samba aqui e ali por drible (e talvez trocando Bahia por Brasil)... eu acho que faz bastante sentido, não faz?

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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