São Paulo, domingo, 20 de fevereiro de 2000


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Sem infra-estrutura, dinheiro e praticantes, modalidades nanicas esquecem Sydney-2000
Bem longe da Olimpíada

JOSÉ ALBERTO BOMBIG
RODRIGO BERTOLOTTO

da Reportagem Local

O Brasil vai a Sydney-2000 com o plano de levar sua maior delegação olímpica e trazer o maior número de medalhas de sua história.
Mas várias modalidades e seus atletas vão acompanhar só pela televisão se dará certo o projeto grandioso do COB (Comitê Olímpico Brasileiro).
Seja por falta de tradição, atletas ou infra-estrutura, esses esportes fazem projeção para ter uma participação olímpica só em Atenas-2004 ou mais para a frente.
Faltando sete meses para a Olimpíada, 13 modalidades ainda não garantiram vaga (badminton, boxe, esgrima, levantamento de peso, luta, nado sincronizado, pólo aquático, remo, softball, tênis, tiro, tiro com arco).
Algumas delas, como o tênis e o boxe, há grandes chances de colocar representantes nos Jogos da Austrália.
Para o badminton, o hóquei sobre grama e o softball, porém, a realidade é outra: não tem mais oportunidade de classificar.
Já luta livre, levantamento de peso e esgrima têm chances remotíssimas de selar o passaporte para Sydney.
Na escala brasileira, a modalidade olímpica mais nanica é o hóquei sobre grama.
Com apenas 150 praticantes e seis times no país, é a única que não tem nem federação. Tem só uma associação, que reúne as equipes Rio e São Paulo e luta atrás de um terceiro Estado para poder ser reconhecida pelo COB.
Popular na vizinha Argentina, o hóquei sobre grama é ainda um esporte de elite por aqui.
Para contrariar isso, um programa da prefeitura de Macaé (RJ) introduziu com sucesso há dois anos a modalidade no bairro mais pobre da comunidade.
Já o levantamento de peso tem confederação nacional, mas não tem sede. Seu presidente, o colombiano naturalizado brasileiro David Gómez, usa como escritório o fundo da sala de musculação da Universidade Federal de Viçosa (MG), onde é professor.
"Uso o telefone e o fax da faculdade. Aqui é tudo na base da improvisação", afirma Gómez.
O Brasil levou representante às três últimas Olimpíadas, mas, para esta próxima, o cenário é bem pior. Sem poder explorar bingo (houve irregularidades na mandato anterior) e com seus principais atletas envelhecendo, a entidade vive com ""orçamento é zero", segundo as palavras do presidente.
O melhor levantador, Edmílson da Silva Dantas, já tem 36 anos. No feminino, a melhor competidora é ainda mais veterana. A mineira Maria Elisabete Jorge soma 42 anos, mas não deixa de sonhar com Sydney.
Para bancar sua preparação, ele planeja até voltar a seu antigo ofício: lavar roupa dos estudantes recém-chegados às repúblicas de Viçosa.
Lavando 60 trouxas de roupa por mês, Maria Elisabete ganharia R$ 1.200, contra os R$ 100 que recebe como instrutora de musculação. ""Ir para o tanque cansa demais, mas eu preciso pagar as dívidas que fiz para poder competir no exterior", afirma a levantadora. Ela deve R$ 6.000 e até escreveu uma carta para o ""Programa do Ratinho", no SBT, para receber ajuda.
"Eu contaria minha história para a platéia e aposto que os telespectadores iriam se sensibilizar", diz Maria Elisabete, mostrando até que ponto um esporte olímpico chega para conseguir recurso.
Os patrocinadores fogem dessas modalidades, afinal, só com resultados e medalhas eles aparecem.
O Indesp (Instituto Nacional de Desenvolvimento do Desporto), órgão ligado ao ministério dos Esportes, pinga algum dinheiro neles, mas só para ajudar com parte dos custos de viagem, hospedagem e alimentação de algumas competições.
O presidente do COB, Carlos Alberto Nuzman, aponta o levantamento, a luta, o tiro e a esgrima como os esportes com mais problemas em sua infra-estrutura.
Entre eles, a luta livre e greco-romana, esporte presente na Olimpíada desde sua primeira edição (1896), é um dos mais críticos. Sua confederação nacional é uma sala dentro do estádio goiano Serra Dourada.
""Nossa estrutura cabe dentro do bagageiro de um carro", brinca o presidente da entidade, Hugo Nakamura.
Até dois anos atrás, o Brasil não sabia nem como se lutava. Apesar de o esporte já ter representado o país em duas Olimpíadas (Seul-1988 e Barcelona-1992), não havia um técnico especialista. Quem lutava mistura técnicas de jíu-jitsu e judô e via o que dava.
Desde 1998, porém, está em Goiânia o treinador cubano Alejo Morales Fernández. ""Sua presença só vai fazer efeito, no mínimo, em sete anos", afirma Nakamura.
Como as federações não tem dinheiro, o jeito é o praticando é bancar sua própria carreira.
O softball (espécie de beisebol para mulheres), por exemplo, se mantém em atividade no Brasil praticamente com os recursos das atletas e suas famílias, quase sempre ligadas também ao beisebol.
Para participar do Mundial de Taiwan, no ano passado, por exemplo, cada atleta teve que desembolsar pelo menos R$ 2.800,00.
"O esporte se desenvolve na base do voluntarismo. Em alguns casos, conseguimos apoio", afirma Olívio Sawasato, vice-presidente da CBBS (Confederação Brasileira de Beisebol e Softball).
A entidade também recebe apoio do Indesp (Instituto Nacional do Desenvolvimento do Desporto), órgão ligado ao Ministério dos Esportes).
"São verbas utilizadas na realização de alguns eventos, com a ajuda de federações e clubes", afirma o dirigente.
Segundo ele, existem hoje cerca de 3.000 praticantes do softbol no Brasil, divididos em 60 clubes, a maior parte deles na capital paulista e no Paraná.
O mesmo cenário se repete na esgrima. ""O esgrimista que quiser competir no exterior tem de fazer seu pé-de-meia antes", afirma Roberto Lazarini, dirigente da federação paulista.
Já o badminton é um exemplo à parte entre os esportes nanicos. Esse tênis disputado com um peteca é o "primo rico", uma exceção que só confirma a regra.
Seus adeptos, segundo a Confederação Brasileira de Badminton, não precisam pôr dinheiro do próprio bolso para participar de competições internacionais.
O desenvolvimento da modalidade é custeado por clubes e pela força de dois bingos criados pela confederação. As duas casas respondem por 85% dos recursos. O restante vem dos clubes ou do Indesp, que, no ano passado, por exemplo, ajudou nas despesas para o torneio seletivo do Pan.


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