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São Paulo, domingo, 20 de abril de 2003

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FUTEBOL

Rever, reler e reviver

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Recentemente, assisti pela quarta ou quinta vez ao filme "Casablanca". Conheço um médico que já viu 26 vezes. Qual é o mistério do filme? Talvez seja o olhar da Ingrid Bergman, quase tão enigmático quanto o da Monalisa.
Adoro rever, reler e reviver as coisas e os lugares que me emocionaram e me deram prazer. Com o tempo, perdi muito a ânsia de buscar coisas novas. Deve ser um sintoma de maturidade ou de velhice precoce. Pena! A sabedoria está na juventude, e não na maturidade e na experiência, como dizem.
Gosto de reler alguns escritores e poetas. Quando aprecio um filme ou um livro, imediatamente assisto e leio pela segunda vez. Procuro os detalhes. Nesses dias, li e reli o envolvente livro "Divã", da escritora gaúcha Martha Medeiros. Vou assistir novamente ao ótimo e triste filme "Carandiru".
Há anos que procuro nas locadoras de filmes o musical "Dom Quixote de La Mancha". A música do filme é espetacular: "Sonho impossível". Se não foi feita para o filme, não haveria outra melhor. Vivo também de sonhos impossíveis. A realidade e o cotidiano são às vezes entediantes.
Neste embalo nostálgico, não me canso de rever algumas jogadas e gols que se eternizaram na minha memória. Isso não significa que são os mais bonitos.
Não me canso de rever o gol do menino Pelé na Copa de 58, contra a Suécia. Pelé recebeu a bola pelo alto, dominou no peito, deu um chapéu no zagueiro e tocou de leve no canto. Uai!
Não me canso de rever o instante em que Didi pegou a bola nas redes após o primeiro gol feito pela Suécia em 58. O Príncipe Etíope, com a cabeça erguida, colocou a bola debaixo do braço e caminhou até o centro do campo, seguido pelos jogadores. Imagino que dizia: "Esses gringos não são de nada. Vamos enfiar uns cinco neles".
Não me canso de rever o Garrincha em 62, driblando os espanhóis desde o meio-campo, que se afastavam, até o Mané chegar à linha de fundo e colocar a bola com açúcar e afeto na cabeça do Amarildo, que fez o gol.
Não me canso de rever o passe longo, milimetrado do Gerson para o Pelé dominar no peito, deixar a bola cair e colocá-la no canto, contra a Tchecoslováquia em 70.
Não me canso de rever o passe que dei para o Clodoaldo empatar o jogo contra o Uruguai, em 70. Esperei uma fração de segundos para o Corro chegar no instante exato. Como se vê, não sou nada modesto.
Não me canso de rever o gol do Romário contra a Holanda na Copa de 94. Bebeto passou para o Baixinho, que chegou um pouco atrasado. Se esticasse a perna e chutasse desequilibrado, erraria o gol. Romário deu um salto, ficou com as duas pernas no ar e, com a direita, colocou a bola no canto.
Só os gênios fariam isso. Eu e o mestre Armando Nogueira ficamos um longo tempo vendo o lance por todos os ângulos, para entender o que o Romário fizera.
Não me canso de rever o gol de falta do Ronaldinho, encobrindo o goleiro inglês. No instante, sem os recursos da TV, achei que ele errara o chute. Depois, com calma, percebi o engano. Os craques inventam e surpreendem.
Não me canso de rever o passe do Kleberson, a deixada do Rivaldo e a conclusão perfeita e consciente do Ronaldo na final contra a Alemanha, em 2002.
Não me canso de lembrar, já que há poucas imagens, os jogos mais bonitos do mundo entre Santos e Botafogo, nos anos 60. De um lado, Pelé, Pepe, Coutinho, Zito, Gilmar. Do outro, Garrincha, Didi, Nilton Santos e Zagallo.
Não me canso de lembrar os melhores momentos que vivi no Cruzeiro, como as duas vitórias na final contra o Santos pela Taça Brasil de 66, por 6 a 2 e 3 a 2. Não esqueço o gol do Dirceu Lopes, no Mineirão, num chute de fora da área. O extraordinário goleiro Gilmar foi na bola e ficou de joelhos, agarrado na trave.
Não me canso de rever e de lembrar tantos lances e belos gols, em todos os tipos de campeonatos, em todos os lugares do mundo, feitos por esses e outros craques inesquecíveis. O gol de Maradona na Copa de 86, contra a Inglaterra, é um dos mais belos da historia do futebol.
Precisaria de dezenas de crônicas para descrever tantos momentos inesquecíveis. Temos sempre de lembrar que o futebol, antes de ser uma competição, um jogo de técnica e de tática, é um esporte lúdico, belo e emocionante. Os lances espetaculares são os que ficam na história.

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