São Paulo, sexta-feira, 20 de agosto de 2004

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Mais difícil é ter oportunidade, diz Mangabeira

DO ENVIADO A ATENAS

A carreira de Gabriel Semain Vasconcellos Mangabeira somente deslanchou quando o atleta decidiu abandonar o Rio de Janeiro e tentar a sorte nos EUA.
A mudança ocorreu em agosto de 2000, pouco depois da seletiva para os Jogos de Sydney. Na oportunidade, ele ficou a apenas 14 centésimos do índice estabelecido para os 100 m borboleta.
Resultado bem diferente do que obteve ontem. Seus 52s33 o colocaram como quinto atleta mais bem posicionado na final olímpica. "Para um cara competitivo como eu, estar entre os oito melhores do mundo significa muita coisa", conta o nadador.
Desta vez, não precisou assistir aos Jogos Olímpicos pela televisão, como fez há quatro anos. Na época, acompanhou da poltrona uma performance histórica de outro negro do Brasil. Edvaldo Valério, da Bahia, conquistou a medalha de bronze ao integrar o revezamento 4 x 100 m livre. O esportista, porém, não alcançou a final em provas individuais.
Mangabeira conheceu Anthony Nesty na Universidade da Flórida, onde, além de nadar, estuda administração. Quando o assunto é a inevitável comparação entre os dois, o treinador responde de bate-pronto. "Não tem discussão. O Gabriel é melhor do que eu. Tem um estilo sensacional e uma técnica refinada, é dedicado e talentoso. Ele vai longe", conta o surinamês à Folha.
Nesty também está em Atenas e acompanhou in loco a performance de Mangabeira. A final dos 100 m borboleta será realizada hoje, às 13h40.
Independentemente do resultado, a participação do brasileiro escancara uma ferida que poucos gostam de tocar.
Os negros são hegemônicos no atletismo, astros no futebol, ídolos no basquete e divindades no boxe. Na natação, entretanto, seus resultados raramente merecem registro. Para alguns estudiosos, é uma característica da raça.
Assim pensa o escritor norte-americano Jon Entine. Autor de "Tabu - Por que atletas negros dominam o esporte e por que temos medo de falar sobre isso", ele acredita que populações com ascendência africana tendem a não produzir nadadores de elite, já que seus descendentes têm esqueletos mais pesados, o que comprometeria a capacidade de flutuação na água.
Nesty é um dos mais ardorosos críticos dessa tese. Ele prefere seguir outro caminho. "Para conseguir bons resultados na natação, é preciso ter suporte: pais que incentivem, bons treinadores e oportunidades para treinar. Com tudo isso, não há barreiras que impeçam o sucesso", disse.

Uma piscina
Para explicar seu ponto de vista, cita como exemplo sua própria história. O técnico de Mangabeira nasceu em Trinidad e Tobago e se mudou ainda criança para o Suriname. A população local de 390 mil habitantes dispunha na época de uma única piscina olímpica de 50 m. Solução para crescer: rumar para a Meca da modalidade.
Na Universidade da Flórida, onde hoje é treinador, Nesty ganhou tarimba para competir com as grandes estrelas. Chegou à Olimpíada de Seul, em 1988, como azarão. Na final dos 100 m borboleta, cravou 53s00 e venceu o norte-americano Matt Biondi, franco favorito ao ouro, por apenas um centésimo de segundo.
"O que falta é oportunidade. O resto é besteira", afirma.
Mangabeira vai na mesma linha. "É um orgulho para mim estar aqui, mas não me considero nada especial. Só tive a minha chance", explica o atleta.
Mas ele não é o único a romper barreiras raciais em Atenas. A outra surpresa vem da equipe norte-americana. Maritza Correia se tornou na Grécia a primeira negra a integrar o time nacional.
Há quatro anos, na Austrália, Anthony Ervin rompeu o mesmo tabu entre os homens. Ele dividiu o ouro nos 50 m livre com Gary Hall Jr., mas abandonou a carreira antes de conseguir repetir o feito na Grécia. (GR)


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