|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Mais difícil é ter oportunidade, diz Mangabeira
DO ENVIADO A ATENAS
A carreira de Gabriel Semain
Vasconcellos Mangabeira somente deslanchou quando o atleta decidiu abandonar o Rio de Janeiro
e tentar a sorte nos EUA.
A mudança ocorreu em agosto
de 2000, pouco depois da seletiva
para os Jogos de Sydney. Na oportunidade, ele ficou a apenas 14
centésimos do índice estabelecido
para os 100 m borboleta.
Resultado bem diferente do que
obteve ontem. Seus 52s33 o colocaram como quinto atleta mais
bem posicionado na final olímpica. "Para um cara competitivo como eu, estar entre os oito melhores do mundo significa muita coisa", conta o nadador.
Desta vez, não precisou assistir
aos Jogos Olímpicos pela televisão, como fez há quatro anos. Na
época, acompanhou da poltrona
uma performance histórica de
outro negro do Brasil. Edvaldo
Valério, da Bahia, conquistou a
medalha de bronze ao integrar o
revezamento 4 x 100 m livre. O esportista, porém, não alcançou a final em provas individuais.
Mangabeira conheceu Anthony
Nesty na Universidade da Flórida,
onde, além de nadar, estuda administração. Quando o assunto é
a inevitável comparação entre os
dois, o treinador responde de bate-pronto. "Não tem discussão. O
Gabriel é melhor do que eu. Tem
um estilo sensacional e uma técnica refinada, é dedicado e talentoso. Ele vai longe", conta o surinamês à Folha.
Nesty também está em Atenas e
acompanhou in loco a performance de Mangabeira. A final dos
100 m borboleta será realizada hoje, às 13h40.
Independentemente do resultado, a participação do brasileiro escancara uma ferida
que poucos gostam
de tocar.
Os negros são hegemônicos no atletismo, astros no futebol,
ídolos no basquete e
divindades no boxe.
Na natação, entretanto, seus resultados raramente merecem registro. Para alguns estudiosos, é uma característica da raça.
Assim pensa o escritor norte-americano Jon Entine. Autor de
"Tabu - Por que atletas negros dominam o esporte e por que temos
medo de falar sobre isso", ele
acredita que populações com ascendência africana tendem a não
produzir nadadores de elite, já
que seus descendentes têm esqueletos mais pesados, o que comprometeria a capacidade de flutuação na água.
Nesty é um dos mais ardorosos
críticos dessa tese. Ele prefere seguir outro caminho. "Para conseguir bons resultados na natação, é
preciso ter suporte: pais que incentivem, bons treinadores e
oportunidades para treinar. Com
tudo isso, não há barreiras que
impeçam o sucesso", disse.
Uma piscina
Para explicar seu ponto de vista,
cita como exemplo sua própria
história. O técnico de Mangabeira
nasceu em Trinidad e Tobago e se
mudou ainda criança para o Suriname. A população local de 390
mil habitantes dispunha na época
de uma única piscina olímpica de
50 m. Solução para crescer: rumar
para a Meca da modalidade.
Na Universidade da Flórida, onde hoje é treinador, Nesty ganhou
tarimba para competir com as
grandes estrelas. Chegou à Olimpíada de Seul, em 1988, como azarão. Na final dos 100 m borboleta,
cravou 53s00 e venceu o norte-americano Matt Biondi, franco favorito ao ouro, por apenas um
centésimo de segundo.
"O que falta é oportunidade. O
resto é besteira", afirma.
Mangabeira vai na mesma linha. "É um orgulho para mim estar aqui, mas não me considero
nada especial. Só tive a minha
chance", explica o atleta.
Mas ele não é o único a romper
barreiras raciais em Atenas. A outra surpresa vem da equipe
norte-americana. Maritza Correia
se tornou na Grécia a primeira negra a integrar o time nacional.
Há quatro anos, na Austrália,
Anthony Ervin rompeu o mesmo
tabu entre os homens. Ele dividiu
o ouro nos 50 m livre com Gary
Hall Jr., mas abandonou a carreira
antes de conseguir repetir o feito
na Grécia.
(GR)
Texto Anterior: Preto no branco Próximo Texto: Memória: Pioneiro, treinador foi surpresa, virou herói, nome de estádio e selo Índice
|