São Paulo, sexta-feira, 21 de junho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TURISTA OCIDENTAL

Ele está para acontecer, é preciso estar preparado

A cultura do terremoto

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SHIZUOKA

Não há como escapar: para onde quer que se olhe, está lá o aviso. Na tevê dos hotéis, nos folhetos entregues aos hóspedes, nos catálogos para os moradores, nas simulações nas empresas e escolas.
O pior é que não se trata de paranóia -existem bons motivos para a angústia compulsiva. Na região central do Japão, o medo de terremotos, mais do que pautar a vida com medidas de prevenção, incorporou-se à cultura.
O paulista Marcos Hatori, 32, é operário de uma indústria de autopeças em Kanegawa. Ganha cerca de R$ 7.000 mensais, trabalhando de segunda a sábado das 8h à 0h, numa jornada de 16 horas. Junta R$ 5.000 por mês.
Em vez de depositá-los em ienes, moeda robusta, num banco japonês, envia tudo para a caderneta de poupança no Brasil. O dinheiro rende em reais. O motivo é singelo: "Daqui a pouco vem o tal terremoto que vai destruir tudo isso aqui, os arquivos dos computadores dos bancos vão apagar, e eu perderei tudo o que consegui".
Hatori tem acompanhado a seleção desde que ela chegou de trem-bala a Hamamatsu, a 30 minutos de Kanegawa. O Brasil decidiria na madrugada de hoje contra a Inglaterra, no estádio de Shizuoka (na vizinhança das duas cidades), uma vaga nas semifinais.
Quando desembarcaram no Grand Hotel, no começo da tarde de terça-feira, os membros da delegação encontraram em seus apartamentos um folheto-padrão intitulado "Precauções para incêndio e terremoto", escrito em japonês e também em inglês, idioma que poucos atletas lêem.
Uma das orientações é ficar longe de janelas e cuidar com atenção da cabeça. Nos guias que as prefeituras enviam aos moradores a ordem é que, estando em casa, eles se escondam embaixo de mesas ou camas e se protejam com almofadas. Trabalhadores e estudantes passam por treinamento constante. Centros de simulação reproduzem a sensação de tremores de terra intensos.
A rigor, não é novidade para ninguém. "Passei mal quando um terremoto principiou e eu estava lavando as mãos", conta Tetsuo Nakajima, 53, funcionário do estádio de Shizuoka.
"No ano passado, eu dei um grito quando tudo tremeu de repente", diz a mineira Emile Nishimoto, 15, estudante em Toyoda-chu, na mesma região. "Estava vendo TV, as coisas começaram a balançar, e meu pai correu para me ajudar." "Nesse dia, eu quase pulei da janela, no segundo andar", acrescenta a mato-grossense Karícia Otami, 14, colega de Emile.
O Japão é um dos países em que há mais terremotos. Em 1923, um monumental abalo sísmico na área de Tóquio matou 140 mil.
Em janeiro de 1995, em Kobe (onde o Brasil venceu a Bélgica por 2 a 0), 5.200 morreram, 125 desapareceram, 26.253 ficaram feridos e 290 mil, desabrigados.
No dia 14, um tremor de 5,2 graus na escala Richter foi registrado em Tóquio e redondezas. Os trens pararam e prédios no centro balançaram. Em 28 de maio, ondas gigantes ("tsunami") impulsionadas pela atividade sísmica castigaram as ilhas Nijima e Kozushima. Em março de 2001, dois morreram em Hiroshima.
A escala foi criada pelo sismólogo americano Charles Richter. Mede a energia produzida pelos tremores. Vai de menos 3,5 a um valor teoricamente ilimitado. Os maiores não superam 9. O terremoto ocorre por causa do choque de placas da crosta terrestre.
O pavor nas cidades em torno de Shizuoka é "o tal terremoto que vai destruir tudo isso", citado pelo brasileiro Hatori. O alerta é dos órgãos governamentais. O monstro tem o nome da região -Tokai- na qual deve se concentrar. É onde está a seleção.
O Terremoto Tokai é iminente. Atingiria 8 graus, com "danos de grande porte", conforme a Prefeitura de Shizuoka. Desde o século 15, num intervalo de 100 a 150 anos ocorre ali um abalo de proporções devastadoras. Já faz 148 que ocorreu o último. A preocupação é tamanha que o aviso da sua proximidade, fundamentado em monitoração do solo, será feito pelo primeiro-ministro do país.
"A palavra dos sismólogos é que não se espera o Terremoto Tokai para hoje ou amanhã, mas ele está mais próximo de nós dia após dia", avisa a administração. As normas para os moradores, como um kit de sobrevivência, são úteis, mas beiram o funesto: é sempre bom ter por perto água, alimentos e um documento para facilitar a identificação em caso de morte.
O estádio de Shizuoka, como todas as edificações modernas, foi erguido com critérios para minimizar os efeitos de terremotos. As 56 frações do telhado são seguras por cabos de aço com flexibilidade para suportar tremores. Em 11 minutos, esvazia-se o local.
Não bastasse o receio com o Terremoto Tokai, uma recém-concluída investigação oficial sobre uma possível nova erupção do monte Fuji, também em Shizuoka, assustou os japoneses.
Cartão-postal do país, 3.776 m acima do nível do mar, o Fuji não entra em atividade desde 1707. O "retorno" do vulcão levaria destruição a dezenas de municípios.



Texto Anterior: José Roberto Torero: Seis pares de "ses" para uma sexta-feira
Próximo Texto: Will Self: O valor agregado do futebol inglês
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.