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TURISTA OCIDENTAL
Ele está para acontecer, é preciso estar preparado
A cultura do terremoto
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SHIZUOKA
Não há como escapar: para onde quer que se olhe, está lá o aviso.
Na tevê dos hotéis, nos folhetos
entregues aos hóspedes, nos catálogos para os moradores, nas simulações nas empresas e escolas.
O pior é que não se trata de paranóia -existem bons motivos
para a angústia compulsiva. Na
região central do Japão, o medo
de terremotos, mais do que pautar a vida com medidas de prevenção, incorporou-se à cultura.
O paulista Marcos Hatori, 32, é
operário de uma indústria de autopeças em Kanegawa. Ganha
cerca de R$ 7.000 mensais, trabalhando de segunda a sábado das
8h à 0h, numa jornada de 16 horas. Junta R$ 5.000 por mês.
Em vez de depositá-los em ienes, moeda robusta, num banco
japonês, envia tudo para a caderneta de poupança no Brasil. O dinheiro rende em reais. O motivo é
singelo: "Daqui a pouco vem o tal
terremoto que vai destruir tudo
isso aqui, os arquivos dos computadores dos bancos vão apagar, e
eu perderei tudo o que consegui".
Hatori tem acompanhado a seleção desde que ela chegou de
trem-bala a Hamamatsu, a 30 minutos de Kanegawa. O Brasil decidiria na madrugada de hoje contra a Inglaterra, no estádio de Shizuoka (na vizinhança das duas cidades), uma vaga nas semifinais.
Quando desembarcaram no
Grand Hotel, no começo da tarde
de terça-feira, os membros da delegação encontraram em seus
apartamentos um folheto-padrão
intitulado "Precauções para incêndio e terremoto", escrito em
japonês e também em inglês, idioma que poucos atletas lêem.
Uma das orientações é ficar longe de janelas e cuidar com atenção
da cabeça. Nos guias que as prefeituras enviam aos moradores a
ordem é que, estando em casa,
eles se escondam embaixo de mesas ou camas e se protejam com
almofadas. Trabalhadores e estudantes passam por treinamento
constante. Centros de simulação
reproduzem a sensação de tremores de terra intensos.
A rigor, não é novidade para
ninguém. "Passei mal quando um
terremoto principiou e eu estava
lavando as mãos", conta Tetsuo
Nakajima, 53, funcionário do estádio de Shizuoka.
"No ano passado, eu dei um grito quando tudo tremeu de repente", diz a mineira Emile Nishimoto, 15, estudante em Toyoda-chu,
na mesma região. "Estava vendo
TV, as coisas começaram a balançar, e meu pai correu para me ajudar." "Nesse dia, eu quase pulei da
janela, no segundo andar", acrescenta a mato-grossense Karícia
Otami, 14, colega de Emile.
O Japão é um dos países em que
há mais terremotos. Em 1923, um
monumental abalo sísmico na
área de Tóquio matou 140 mil.
Em janeiro de 1995, em Kobe
(onde o Brasil venceu a Bélgica
por 2 a 0), 5.200 morreram, 125
desapareceram, 26.253 ficaram
feridos e 290 mil, desabrigados.
No dia 14, um tremor de 5,2
graus na escala Richter foi registrado em Tóquio e redondezas.
Os trens pararam e prédios no
centro balançaram. Em 28 de
maio, ondas gigantes ("tsunami")
impulsionadas pela atividade sísmica castigaram as ilhas Nijima e
Kozushima. Em março de 2001,
dois morreram em Hiroshima.
A escala foi criada pelo sismólogo americano Charles Richter.
Mede a energia produzida pelos
tremores. Vai de menos 3,5 a um
valor teoricamente ilimitado. Os
maiores não superam 9. O terremoto ocorre por causa do choque
de placas da crosta terrestre.
O pavor nas cidades em torno
de Shizuoka é "o tal terremoto
que vai destruir tudo isso", citado
pelo brasileiro Hatori. O alerta é
dos órgãos governamentais. O
monstro tem o nome da região
-Tokai- na qual deve se concentrar. É onde está a seleção.
O Terremoto Tokai é iminente.
Atingiria 8 graus, com "danos de
grande porte", conforme a Prefeitura de Shizuoka. Desde o século
15, num intervalo de 100 a 150
anos ocorre ali um abalo de proporções devastadoras. Já faz 148
que ocorreu o último. A preocupação é tamanha que o aviso da
sua proximidade, fundamentado
em monitoração do solo, será feito pelo primeiro-ministro do país.
"A palavra dos sismólogos é que
não se espera o Terremoto Tokai
para hoje ou amanhã, mas ele está
mais próximo de nós dia após
dia", avisa a administração. As
normas para os moradores, como
um kit de sobrevivência, são úteis,
mas beiram o funesto: é sempre
bom ter por perto água, alimentos
e um documento para facilitar a
identificação em caso de morte.
O estádio de Shizuoka, como todas as edificações modernas, foi
erguido com critérios para minimizar os efeitos de terremotos. As
56 frações do telhado são seguras
por cabos de aço com flexibilidade para suportar tremores. Em 11
minutos, esvazia-se o local.
Não bastasse o receio com o
Terremoto Tokai, uma recém-concluída investigação oficial sobre uma possível nova erupção do
monte Fuji, também em Shizuoka, assustou os japoneses.
Cartão-postal do país, 3.776 m
acima do nível do mar, o Fuji não
entra em atividade desde 1707. O
"retorno" do vulcão levaria destruição a dezenas de municípios.
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