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WILL SELF
O valor agregado do futebol inglês
Odeio desapontar os leitores brasileiros que consideravam um bálsamo
eu só me aproximar da Copa do
Mundo para fazer uma análise
histórica e cultural. Mas o triste é
que ela finalmente começou a me
atrair. Sim, de forma quase inevitável, como um barco arrastado
pelos tentáculos de um enorme
polvo, me descobri interessado
pelo desfecho da competição.
Apresso-me em assegurar a você: isso nada tem a ver com patriotismo, nem com o fato de que
a Inglaterra tenha enfrentado o
Brasil nas quartas-de-final
(quando você ler isto, o resultado
já será conhecido, mas são tantas
as exigências do jornalismo internacional que estou escrevendo na
manhã de quinta-feira).
Meu coração não bate mais rápido por conta da possibilidade
de a Inglaterra avançar na Copa
à custa de um massacre da seleção brasileira, considerada em
todo o mundo uma espécie de gigante mitológico deste esporte.
Imenso colosso, que faz girar
uma bexiga de couro como se ela
fosse o próprio globo. Não, não.
Nem a atmosfera barulhenta e
festiva tem me seduzido. Permaneço distante disso, concentrado
em meus estudos, lendo os aforismos de Schopenhauer, enquanto
a meu redor rapidamente quase
todos os caminhões, carros, motos e mesmo pedestres exibem a
detestável bandeira inglesa.
Tampouco tenho a esperança
de ser convidado por uma bela
garota para copular em público
logo depois de um gol de
Beckham no primeiro minuto da
partida desta sexta. Não, eu não.
A verdade é que meu interesse
tem sido despertado por razões
horrivelmente egoístas.
A primeira delas tem a ver com
minha arrogância. Nas últimas
três semanas, predisse os resultados das partidas da seleção inglesa melhor que qualquer jornalista esportivo. Como, você deve
perguntar, serei eu capaz de antecipar a performance dos jogadores quando apenas sei quando
começa e termina um jogo?
A resposta é que os "chamados"
especialistas são iludidos por
uma herança teórica dos acontecimentos esportivos. Aqui na
Grã-Bretanha (e, ouso dizer, no
Brasil), não há um único texto sobre futebol que não inclua estatísticas relacionadas com performances anteriores. Assim, quando os EUA derrotaram o México
na segunda-feira, todos os jornalistas assinalaram que os norte-americanos não haviam ido tão
longe desde a primeira Copa, em
1930. Mas aquilo tinha alguma
coisa a ver com o que ocorreu
agora? As únicas partidas que podem ser comparadas com esta
são as que reúnem os mesmos jogadores. Todo resultado com
mais de dez anos é totalmente irrelevante no futebol mundial.
Por que os cronistas acreditam
naquilo? Porque, caso contrário,
não teriam nada sobre o que escrever. Diferentemente de mim,
eles não podem se guiar no abundante conhecimento cultural e
histórico, a partir do qual podem
construir um elaborado e teórico
sistema para interpretar a semiótica do futebol. Tome a partida
que você acabou de testemunhar.
Se, como prevejo, a Inglaterra tiver perdido de 2 a 0, você ficará
surpreso ao descobrir que isso será amplamente considerado pelos ingleses uma grande vitória.
Embora o torneio esteja em
uma fase eliminatória, os ingleses
avaliam sua seleção por meio de
um sistema que agrega os gols. A
vitória sobre a Dinamarca foi tão
desproporcional (três gols! inacreditável!) que será levada em
conta na partida seguinte.
Previ em meu último artigo que
a seleção poderia não mais que se
arrastar, arrancando apenas um
gol por partida, antes de ser batida pelo Brasil. Mas, do jeito que
as coisas ficaram, a Inglaterra terá derrotado o Brasil antes mesmo de entrar em campo às 3h30,
no horário brasileiro, por conta
dos dois gols extras marcados
diante da Dinamarca. Como, há
muito tempo ela não perde por
uma diferença maior que três
gols, os torcedores vão sentir que
arrancaram um empate diante
de um inimigo poderoso.
Claro, se a Inglaterra, inconcebivelmente, tiver superado o Brasil, ainda assim minha previsão
continuará verdadeira: a Inglaterra bateu o Brasil. Não importa
o que a Inglaterra faça, trata-se
de uma situação vitoriosa.
E minha mulher, contemplando minha incapacidade de ter
um interesse real ou prazer nesta
Copa, ainda tem a ousadia de me
chamar de misantropo! Não sei,
talvez ela devesse ter se casado
com Schopenhauer.
Will Self, 38, é autor de "Cock and Bull"
e "Quantity Theory of Insanity" e um dos
mais importantes nomes da nova
geração de escritores britânicos
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