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Críticos esportivos e cronistas de artes
JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas
Nunca consegui entender porque os críticos de artes são mais
admirados do que os cronistas esportivos. A própria denominação
já mostra o preconceito. Em arte,
temos um ""crítico". Em esportes,
apenas um ""cronista".
Fui aos dicionários para entender melhor essa diferença. Está lá
escrito que o crítico é ""aquele que
tem a arte ou a faculdade de examinar e julgar, realizando uma
apreciação teórica". Enquanto isso, o cronista é apenas ""aquele
que faz uma série de observações,
o autor de comentários, comentador". O Sindicato dos Jornalistas
já deveria ter se pronunciado contra esse preconceito.
Mas as diferenças não param
na semântica. No dia-a-dia, elas
também podem ser observadas.
Por exemplo, se o crítico e o cronista forem a uma festa, o anfitrião servirá um scotch 12 anos ao
primeiro, mas para o segundo vai
perguntar:
""E aí? Vai aquela caipirinha?"
Com a comida, não será diferente. Enquanto o crítico é contemplado com um coquetel de camarões, o cronista recebe um prato com fatias de salaminho. Da
sobremesa, nem farei comentários, apenas digo que as opções
são crepe flambado e gelatina.
Alguns leitores podem crer que
essa discriminação tem origem
numa real superioridade do crítico sobre o cronista. Nada mais
equivocado. Se uma dessas duas
críticas é hoje superior, sem dúvida é a esportiva.
Tendo-se em vista que um bom
crítico deve ter imparcialidade,
relatividade e clareza, façamos
uma comparação item por item:
Imparcialidade:
Poucos textos são mais parciais
do que as críticas sobre artes. Dependendo se o crítico tiver ou não
uma simpatia pelo autor, um filme tanto pode ser monótono como reflexivo, e um livro tanto pode ser considerado ágil como superficial.
Já o cronista de esportes não sofre desse mal. Mesmo que seja um
santista fanático, falará mal de
Zetti se ele tomar um frango e
bem de Marcelinho se ele fizer um
golaço.
Relatividade:
Muitas vezes o crítico coloca sua
opinião como uma verdade. É raro ler-se numa crítica palavras como ""eu acho que" ou ""para o meu
gosto, esse filme...". A opinião é
sempre taxativa. Em geral, eles dizem ""esse filme não vale nada",
ou ""os diálogos são desencontrados".
Já os cronistas esportivos têm
um espírito muito mais democrático e aberto a outras opiniões.
Tanto que nas eleições para melhor jogador em campo é raríssimo que haja uma unanimidade.
O crítico de esportes entende que
sua opinião é uma observação
particular, e não um postulado de
Euclides.
Clareza:
Filha do beletrismo, a crítica das
artes aborrece-se da objetividade.
Seu prazer não está em dizer algo
como: ""Amaral não jogou bem.
Fez apenas cinco desarmes completos e, dos 23 passes que deu, errou 14". A crítica artística prefere
algo como: ""Frederic conduziu a
aveludada orquestra com emoção contagiante e fez dessa peça
setecentista uma grandiosa epifania". Muito adjetivo, pouco substantivo.
Enfim, creio que a crítica esportiva evoluiu do primitivismo romântico para a análise mais confiável, porque tornou-se mais racional, deixando o emocionalismo tribal restrito às torcidas.
Já na crítica de artes ainda venera a nebulosidade, a imprecisão e a tempestade de adjetivos.
Talvez ela esteja precisando de
uma caipirinha.
José Roberto Torero escreve às quartas
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