São Paulo, Quarta-feira, 21 de Julho de 1999
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Críticos esportivos e cronistas de artes

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Nunca consegui entender porque os críticos de artes são mais admirados do que os cronistas esportivos. A própria denominação já mostra o preconceito. Em arte, temos um ""crítico". Em esportes, apenas um ""cronista".
Fui aos dicionários para entender melhor essa diferença. Está lá escrito que o crítico é ""aquele que tem a arte ou a faculdade de examinar e julgar, realizando uma apreciação teórica". Enquanto isso, o cronista é apenas ""aquele que faz uma série de observações, o autor de comentários, comentador". O Sindicato dos Jornalistas já deveria ter se pronunciado contra esse preconceito.
Mas as diferenças não param na semântica. No dia-a-dia, elas também podem ser observadas. Por exemplo, se o crítico e o cronista forem a uma festa, o anfitrião servirá um scotch 12 anos ao primeiro, mas para o segundo vai perguntar:
""E aí? Vai aquela caipirinha?"
Com a comida, não será diferente. Enquanto o crítico é contemplado com um coquetel de camarões, o cronista recebe um prato com fatias de salaminho. Da sobremesa, nem farei comentários, apenas digo que as opções são crepe flambado e gelatina.
Alguns leitores podem crer que essa discriminação tem origem numa real superioridade do crítico sobre o cronista. Nada mais equivocado. Se uma dessas duas críticas é hoje superior, sem dúvida é a esportiva.
Tendo-se em vista que um bom crítico deve ter imparcialidade, relatividade e clareza, façamos uma comparação item por item:
Imparcialidade:
Poucos textos são mais parciais do que as críticas sobre artes. Dependendo se o crítico tiver ou não uma simpatia pelo autor, um filme tanto pode ser monótono como reflexivo, e um livro tanto pode ser considerado ágil como superficial.
Já o cronista de esportes não sofre desse mal. Mesmo que seja um santista fanático, falará mal de Zetti se ele tomar um frango e bem de Marcelinho se ele fizer um golaço.
Relatividade:
Muitas vezes o crítico coloca sua opinião como uma verdade. É raro ler-se numa crítica palavras como ""eu acho que" ou ""para o meu gosto, esse filme...". A opinião é sempre taxativa. Em geral, eles dizem ""esse filme não vale nada", ou ""os diálogos são desencontrados".
Já os cronistas esportivos têm um espírito muito mais democrático e aberto a outras opiniões. Tanto que nas eleições para melhor jogador em campo é raríssimo que haja uma unanimidade. O crítico de esportes entende que sua opinião é uma observação particular, e não um postulado de Euclides.
Clareza:
Filha do beletrismo, a crítica das artes aborrece-se da objetividade. Seu prazer não está em dizer algo como: ""Amaral não jogou bem. Fez apenas cinco desarmes completos e, dos 23 passes que deu, errou 14". A crítica artística prefere algo como: ""Frederic conduziu a aveludada orquestra com emoção contagiante e fez dessa peça setecentista uma grandiosa epifania". Muito adjetivo, pouco substantivo.
Enfim, creio que a crítica esportiva evoluiu do primitivismo romântico para a análise mais confiável, porque tornou-se mais racional, deixando o emocionalismo tribal restrito às torcidas.
Já na crítica de artes ainda venera a nebulosidade, a imprecisão e a tempestade de adjetivos. Talvez ela esteja precisando de uma caipirinha.


José Roberto Torero escreve às quartas

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