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FUTEBOL
Os dois pais
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Pantalifúsio leitor, pansófica leitora, hoje acordei muito burro. Sim, acordei sentindo-me o mais parvo dos colunistas
folhísticos, o mais relapso dos jornalistas ludopédicos.
Percebi que pouco sabia da história da crônica esportiva, profissão à qual me dedico com afinco
há quase cinco anos. Então, como
a melhor vacina para a ignorância é o livro, peguei alguns alfarrábios e comecei a estudar meus
antepassados profissionais.
Vi que no começo do século o
cronista tinha que falar mais em
inglês do que em português. Vejam, por exemplo, este texto de
1903: "Raras vezes temos assistido
a matches em que, como no de
ontem, o jogo fosse tão delicado,
em que houvesse tão belos shoots,
em que reinasse tanta cordialidade entre os jogadores, em que, em
suma, não houvesse um só fowl a
registrar".
Ainda por cima esses textos
eram curtos, quase que apenas
pés de página. Aos poucos, porém,
os textos sobre futebol foram merecendo maiores espaços.
Na década de 10, o esporte já
ocupava uma página inteira do
jornal, embora o tom ainda fosse
um tanto empolado. Quereis outro exemplo? Dou-vos este de
1919, sobre um jogo entre Chile e
Brasil, tirado da "Gazeta".
"O aspecto era sobremodo grandioso e deslumbrante: um mar de
gente agrupado em torno do quadrilátero gramado e, ao longe, um
círculo de montanhas que, majestosamente, parecia proteger os
que ali se achavam vibrantes de
entusiasmo e vitalidade."
Mas essa pompa estava prestes
a ser assassinada. Por quem? Pelos dois pais da crônica esportiva
moderna. Sim, dois pais.
Um deles foi Mário Filho, irmão
mais velho de Nelson Rodrigues,
que já no final da década de 20
fazia textos para os jornais cariocas. Sua escrita se parece bastante
com a de Nelson. Mário também
se utiliza de hipérboles, não economiza adjetivos, trata o futebol
de modo grandioso e faz um certo
culto ao jogador, colocando-o como principal astro do espetáculo.
O outro pai é Tomás Mazzoni,
que escrevia no jornal paulista
"Gazeta". Diferentemente de Mário Filho, Mazzoni elegeu o esquema tático, e não o jogador, como
o alvo de suas atenções. Ele considerava o futebol não só um esporte, mas uma questão educacional.
Na década de 30, com o aparecimento dos diários esportivos, o
futebol enfim ganhou notoriedade, deixando ainda mais patente
as diferenças entre os dois pais. E,
antes do fim da primeira metade
do século, ambos fizeram livros
importantes para a reflexão sobre
o futebol. Mazzoni escreveu "Problemas e Aspectos do Futebol".
Mário Filho foi autor de "O Negro
no Futebol Brasileiro", uma espécie de "Casa Grande e Senzala"
deste esporte.
Tomás Mazzoni e Mário Filho
eram como o Dr. Spock e o Capitão Kirk de "Jornada nas Estrelas". O primeiro era apolíneo e
achava que o bom futebol seria
fruto do entrosamento dos jogadores e das táticas. O segundo era
dionisíaco e via o bom futebol como fruto do talento individual. O
primeiro foi a base da imprensa
esportiva paulista. O segunda, da
carioca. O primeiro tem herdeiros
como Juca Kfouri e Ruy Carlos
Ostermann. O segundo, descendentes como Armando Nogueira.
E até hoje estas duas visões de futebol duelam entre si.
E então, caros leitores, depois de
aprender isso, senti-me menos
néscio em relação à crônica esportiva e fui ler, de alma límpida,
meus velhos gibis do Pelezinho.
Confissão
Os trechos citados no texto
foram encontrados no capítulo "O Scratch em campo
para o início do Match", do
excelente livro "O Futebol em
Nelson Rodrigues" (Educ,
216 páginas, 2000), de José
Carlos Marques.
Poder e perigo
Os ociosos Alfredo Gabrielleschi e Leandro Mattera
mandaram uma seleção de
poderosos e perigosos: "O
goleiro é Loko (Antibes,
França), a defesa é formada
por Butina (Hask, Croácia),
Potapenko (Dínamo, Estônia), Soca (Defensor, Uruguai) e Micega (Spartak, República Tcheca). Os maliciosos meias seriam: Kharasakal
(Lokomotiv, Rússia), Sacanna (Trefiori, San Marino),
Katana (Genk, Bélgica) e Ferrando (Betis, Espanha). O
ataque poderia ter Scoria (Istra, Croácia) e Lawless (Bohemians, Irlanda), dupla especializada em truques sujos."
E-mail torero@uol.com.br
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