São Paulo, sexta-feira, 22 de novembro de 2002

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FUTEBOL

Os dois pais

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Pantalifúsio leitor, pansófica leitora, hoje acordei muito burro. Sim, acordei sentindo-me o mais parvo dos colunistas folhísticos, o mais relapso dos jornalistas ludopédicos.
Percebi que pouco sabia da história da crônica esportiva, profissão à qual me dedico com afinco há quase cinco anos. Então, como a melhor vacina para a ignorância é o livro, peguei alguns alfarrábios e comecei a estudar meus antepassados profissionais.
Vi que no começo do século o cronista tinha que falar mais em inglês do que em português. Vejam, por exemplo, este texto de 1903: "Raras vezes temos assistido a matches em que, como no de ontem, o jogo fosse tão delicado, em que houvesse tão belos shoots, em que reinasse tanta cordialidade entre os jogadores, em que, em suma, não houvesse um só fowl a registrar".
Ainda por cima esses textos eram curtos, quase que apenas pés de página. Aos poucos, porém, os textos sobre futebol foram merecendo maiores espaços.
Na década de 10, o esporte já ocupava uma página inteira do jornal, embora o tom ainda fosse um tanto empolado. Quereis outro exemplo? Dou-vos este de 1919, sobre um jogo entre Chile e Brasil, tirado da "Gazeta".
"O aspecto era sobremodo grandioso e deslumbrante: um mar de gente agrupado em torno do quadrilátero gramado e, ao longe, um círculo de montanhas que, majestosamente, parecia proteger os que ali se achavam vibrantes de entusiasmo e vitalidade."
Mas essa pompa estava prestes a ser assassinada. Por quem? Pelos dois pais da crônica esportiva moderna. Sim, dois pais.
Um deles foi Mário Filho, irmão mais velho de Nelson Rodrigues, que já no final da década de 20 fazia textos para os jornais cariocas. Sua escrita se parece bastante com a de Nelson. Mário também se utiliza de hipérboles, não economiza adjetivos, trata o futebol de modo grandioso e faz um certo culto ao jogador, colocando-o como principal astro do espetáculo.
O outro pai é Tomás Mazzoni, que escrevia no jornal paulista "Gazeta". Diferentemente de Mário Filho, Mazzoni elegeu o esquema tático, e não o jogador, como o alvo de suas atenções. Ele considerava o futebol não só um esporte, mas uma questão educacional.
Na década de 30, com o aparecimento dos diários esportivos, o futebol enfim ganhou notoriedade, deixando ainda mais patente as diferenças entre os dois pais. E, antes do fim da primeira metade do século, ambos fizeram livros importantes para a reflexão sobre o futebol. Mazzoni escreveu "Problemas e Aspectos do Futebol". Mário Filho foi autor de "O Negro no Futebol Brasileiro", uma espécie de "Casa Grande e Senzala" deste esporte.
Tomás Mazzoni e Mário Filho eram como o Dr. Spock e o Capitão Kirk de "Jornada nas Estrelas". O primeiro era apolíneo e achava que o bom futebol seria fruto do entrosamento dos jogadores e das táticas. O segundo era dionisíaco e via o bom futebol como fruto do talento individual. O primeiro foi a base da imprensa esportiva paulista. O segunda, da carioca. O primeiro tem herdeiros como Juca Kfouri e Ruy Carlos Ostermann. O segundo, descendentes como Armando Nogueira. E até hoje estas duas visões de futebol duelam entre si.
E então, caros leitores, depois de aprender isso, senti-me menos néscio em relação à crônica esportiva e fui ler, de alma límpida, meus velhos gibis do Pelezinho.

Confissão
Os trechos citados no texto foram encontrados no capítulo "O Scratch em campo para o início do Match", do excelente livro "O Futebol em Nelson Rodrigues" (Educ, 216 páginas, 2000), de José Carlos Marques.

Poder e perigo
Os ociosos Alfredo Gabrielleschi e Leandro Mattera mandaram uma seleção de poderosos e perigosos: "O goleiro é Loko (Antibes, França), a defesa é formada por Butina (Hask, Croácia), Potapenko (Dínamo, Estônia), Soca (Defensor, Uruguai) e Micega (Spartak, República Tcheca). Os maliciosos meias seriam: Kharasakal (Lokomotiv, Rússia), Sacanna (Trefiori, San Marino), Katana (Genk, Bélgica) e Ferrando (Betis, Espanha). O ataque poderia ter Scoria (Istra, Croácia) e Lawless (Bohemians, Irlanda), dupla especializada em truques sujos."

E-mail torero@uol.com.br


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