São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000

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JOSÉ ROBERTO TORERO

O Superbrasileiro

Não sei se a TV tem mostrado, mas uma das figuras mais interessantes em Sydney é o Superbrasileiro. Pode ser visto de longe. Usa a bandeira do Brasil como capa e também possui superpoderes. Por exemplo:
Superestômago: Como ele tem que comer o que houver por perto dos locais de competição, não pode fazer refeições muito saudáveis. Por isso, tem que ser resistente a hambúrgueres, Coca-Cola, batatas fritas, café, hot-dogs gigantes e outros vilões gástricos.
Supergarganta: Sempre em minoria, o Superbrasileiro não se aperta e compensa a quantidade pela qualidade. Grita feito um doido e consegue, apenas com alguns superamigos, ser notado em qualquer ginásio.
Superóculos: Não sei o porquê, mas muitos superbrasileiros usam óculos escuros na cabeça. E nunca nos olhos, sempre na cabeça. Mas deve haver alguma função. Talvez proteger seu frágil cérebro dos raios infravermelhos.
Supercamisa: A capa é a bandeira do Brasil, mas a camisa é a da seleção. Provavelmente é feita de um material invulnerável, porque em geral são muito velhas. A marca nem é Nike. Alguns, porém, preferem usar uma camisa do seu clube. Já vi aqui Grêmio, Sport, São Paulo e Santos.
Supersentidos: É preciso supervisão para ver outros brasileiros na multidão e superaudição para escutar um batuque à distância.
Supervelocidade: Para não perder nenhum evento. De ônibus, trem ou táxi, ele consegue ver até três eventos num só dia.
Supermãos: Para bater palmas mais alto do que qualquer aussie.
Superpés: Para bater forte no chão e quase demolir estádios.
Superpulmões: Para soprar sua supercorneta nos ouvidos dos outros. Que, por sinal, ficam supersurdos.
As identidades secretas desses Superbrasileiros são muito variadas. Marcos, de 22 anos, por exemplo, é estudante de inglês em Sydney. Pelo menos é o que diz para a mãe. Na intimidade, reclama que as australianas não caem em suas supercantadas.
Ana, de Limeira, idade não revelada, foge da kryptonita brasileira do baixo salário. Está aqui há oito anos e já tem até um filho, Sidnei, que fala apenas algumas palavras em português.
Wellington, 35, é carpinteiro e casou-se com uma australiana. Gostaria de voltar a Krypton, digo, Belo Horizonte, para ficar ao lado do pai, Jor-El, digo, Mano-El. Mas aqui ele tem um salário que, se não é super, pelo menos dá para viver com dignidade.
Têm em comum a capa com a bandeira, a vontade de viver com mais dignidade e o desejo de um dia voltar para sua terra. Não são super-homens, mas não querem deixar de ser brasileiros.
E-mail torero@uol.com.br


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