São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000

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SONINHA

O importante é...

No mundo não-esportivo, o lema "o importante é competir" se aplica aos espertos. Ser competitivo no trabalho, na escola e no casamento é ser moderno e antenado. O "certo" é medir forças o tempo todo, ou você "não chega a lugar nenhum".
Quando se trata de esporte, "o importante é competir" passa a ser a desculpa dos acomodados, covardes, sem ambição. A frase atribuída ao velho Barão (de Cubertain) virou a piada dos Jogos. O que se espera de um atleta é que queira vencer sempre e fique enfurecido se isso não ocorrer.
Eu detesto competir. Pouco me importa quem ganha o maior salário, detesto a guerra de audiência, não suporto ser pressionada para ser melhor que alguém. No entanto, adoro esporte, cujo motivo básico é a competição.
Algumas vezes já me perguntei se suportaria viver de esporte (como atleta, que era o que eu pretendia) e passar a vida toda derrotando ou sendo derrotada por alguém. Comemorando a minha alegria às custas da tristeza alheia. Lutando pelo meu sucesso, sabendo que o objetivo de outras pessoas seria impedi-lo.
Quem gosta de esporte precisa saber lidar com essa condição: uns perdem, outros ganham, e você está sempre de um lado ou de outro. Um esportista precisa saber lidar com as derrotas, mesmo que pareça que elas nunca virão (Popov que o diga. Ian Thorpe também). Precisa, honestamente, crer que o importante é competir.
Nesta Olimpíada, houve várias demonstrações de que ainda existe quem acredite. A levantadora de peso Maria Elizabete Jorge foi uma das atletas brasileiras mais aplaudidas (no ginásio e via satélite) porque superou a própria dor e competiu. O seu maior medo não era a derrota, era não poder participar das provas por causa das mãos machucadas.
Na piscina, consagraram-se dois ou três heróis. A maioria, grandes campeões. Mas um deles foi o simpático Eric, da Guiné Equatorial, que aprendeu a nadar em janeiro e temia não concluir a prova dos 100 m (quase se afogou, de tão cansado). Alguém duvida de que a sua imagem será uma das mais lembradas?
Uma iraquiana (Mayra Hussein) correu toda a eliminatória dos 5.000 m meia volta atrás do pelotão principal. Quando as primeiras colocadas cruzaram a linha de chegada, ela estava com uma volta e meia de atraso. Ao terminar a prova, foi aplaudida. Era evidente que não tinha a menor chance, mas foi comovente a sua disposição de correr até o fim.
Muitos atletas que chegam à Olimpíada sabem muito bem que têm escassas chances, mas não recusariam jamais a oportunidade de estar aqui. Não só porque Sydney é uma cidade linda e porque a experiência de conviver com atletas do mundo todo é imperdível, mas porque querem jogar, querem lutar, querem saltar, querem disputar uma prova pelo menos. Alguns são eliminados em menos de cinco minutos, e é claro que ninguém se contenta com tão pouco. Mas pergunte se eles se sujeitariam de novo a essa situação, passada a dor física e a decepção imediata. Aposto que sim.
Por isso, por mais piegas que soe, o grande lema dos Jogos ainda é "o importante é competir". É só isso que o esportista pode fazer. A vitória é uma circunstância passageira, sujeita a mil condições, mas competir é a sua vida.
E-mail: soninha.folha@uol.com.br


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