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SONINHA
O importante é...
No mundo não-esportivo, o
lema "o importante é competir" se aplica aos espertos. Ser
competitivo no trabalho, na escola e no casamento é ser moderno e
antenado. O "certo" é medir forças o tempo todo, ou você "não
chega a lugar nenhum".
Quando se trata de esporte, "o
importante é competir" passa a
ser a desculpa dos acomodados,
covardes, sem ambição. A frase
atribuída ao velho Barão (de Cubertain) virou a piada dos Jogos.
O que se espera de um atleta é que
queira vencer sempre e fique enfurecido se isso não ocorrer.
Eu detesto competir. Pouco me
importa quem ganha o maior salário, detesto a guerra de audiência, não suporto ser pressionada
para ser melhor que alguém. No
entanto, adoro esporte, cujo motivo básico é a competição.
Algumas vezes já me perguntei
se suportaria viver de esporte (como atleta, que era o que eu pretendia) e passar a vida toda derrotando ou sendo derrotada por
alguém. Comemorando a minha
alegria às custas da tristeza
alheia. Lutando pelo meu sucesso,
sabendo que o objetivo de outras
pessoas seria impedi-lo.
Quem gosta de esporte precisa
saber lidar com essa condição:
uns perdem, outros ganham, e você está sempre de um lado ou de
outro. Um esportista precisa saber
lidar com as derrotas, mesmo que
pareça que elas nunca virão (Popov que o diga. Ian Thorpe também). Precisa, honestamente, crer
que o importante é competir.
Nesta Olimpíada, houve várias
demonstrações de que ainda existe quem acredite. A levantadora
de peso Maria Elizabete Jorge foi
uma das atletas brasileiras mais
aplaudidas (no ginásio e via satélite) porque superou a própria dor
e competiu. O seu maior medo
não era a derrota, era não poder
participar das provas por causa
das mãos machucadas.
Na piscina, consagraram-se
dois ou três heróis. A maioria,
grandes campeões. Mas um deles
foi o simpático Eric, da Guiné
Equatorial, que aprendeu a nadar em janeiro e temia não concluir a prova dos 100 m (quase se
afogou, de tão cansado). Alguém
duvida de que a sua imagem será
uma das mais lembradas?
Uma iraquiana (Mayra Hussein) correu toda a eliminatória
dos 5.000 m meia volta atrás do
pelotão principal. Quando as primeiras colocadas cruzaram a linha de chegada, ela estava com
uma volta e meia de atraso. Ao
terminar a prova, foi aplaudida.
Era evidente que não tinha a menor chance, mas foi comovente a
sua disposição de correr até o fim.
Muitos atletas que chegam à
Olimpíada sabem muito bem que
têm escassas chances, mas não recusariam jamais a oportunidade
de estar aqui. Não só porque
Sydney é uma cidade linda e porque a experiência de conviver
com atletas do mundo todo é imperdível, mas porque querem jogar, querem lutar, querem saltar,
querem disputar uma prova pelo
menos. Alguns são eliminados em
menos de cinco minutos, e é claro
que ninguém se contenta com tão
pouco. Mas pergunte se eles se sujeitariam de novo a essa situação,
passada a dor física e a decepção
imediata. Aposto que sim.
Por isso, por mais piegas que
soe, o grande lema dos Jogos ainda é "o importante é competir". É
só isso que o esportista pode fazer.
A vitória é uma circunstância
passageira, sujeita a mil condições, mas competir é a sua vida.
E-mail: soninha.folha@uol.com.br
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