São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

70 anos esta noite


É difícil, para os brasileiros da minha geração, ver Pelé como um mortal igual aos outros

POIS É, Pelé está fazendo 70 anos. Não parece. Olhe para ele: ninguém que não o conhecesse lhe daria mais do que 50 e poucos anos. Mas há alguém que não conheça Pelé?
Dos favelados mais humildes aos donos do planeta, do analfabeto ao intelectual mais refinado, no último meio século todos se renderam a sua grandeza, todos o veneraram em alguma medida.
Para os brasileiros da minha geração, Pelé é um fato da vida, uma figura tão entranhada em nosso cotidiano e em nosso imaginário que seria difícil pensar o mundo sem ele.
Como já se disse tudo sobre o futebolista Pelé e sobre o cidadão Edson Arantes do Nascimento, e como cada um de nós tem o "seu" Pelé, só me resta falar do "meu", isto é, da minha relação pessoal com o mito.
Começo por uma confissão: quando eu era criança, achava que a palavra Pelé fosse sinônimo de "Rei do Futebol" ou "melhor do mundo". Talvez de tanto ouvir os mais velhos dizerem frases como "Está pensando que é o Pelé?", ou "Fulano não é nenhum Pelé".
Em decorrência disso, quando eu brincava sozinho de irradiar jogos da Copa de 58 (sinal de uma nostalgia precoce, até porque em 58 eu só tinha um ano), chamava Pelé de Edson ou "Edsinho", pois pensava assim: "Naquela Copa, com 17 anos, ele ainda não era o Rei do Futebol, não era "o Pelé'".
Então eu narrava, imitando os locutores da época: "Garrincha dribla dois, passa para Didi, que lança Edsinho. Edsinho chapela um, dribla outro, chuta e é gooooool". Inventei o craque Edsinho, o pré-Pelé. Mesmo depois de aprender que a palavra Pelé era só um apelido de infância, para mim Pelé, camisa 10, melhor do mundo, rei do futebol, tudo isso formava um todo indivisível.
O tempo passou, Pelé pendurou as chuteiras, eu virei adulto, lamentei as pisadas de bola que ele deu fora de campo, acreditei ter criado um distanciamento conveniente, uma perspectiva crítica adequada diante de sua figura.
Mais eis que um dia, há seis anos, conheci finalmente Pelé ao vivo, apresentado pelo cineasta Aníbal Massaini, por ocasião do lançamento do documentário "Pelé Eterno". Num instante, a consciência crítica, o distanciamento jornalístico, a racionalidade adulta, tudo isso se desfez. Bastou um aperto vigoroso de mão, um sorriso franco e pronto: com os olhos marejados, voltei a ser menino. Esse foi mais um gol de Pelé.

jgcouto@uol.com.br


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