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SANTO DE CASA
Moradores de Kerpen preferem futebol a corridas; ex-prefeito boicotou representante famoso do município alemão
Cidade onde piloto cresceu ignora o filho ilustre
FÁBIO VICTOR
PAULO COBOS
ENVIADOS ESPECIAIS A KERPEN
A placa com o limite de velocidade anuncia algo de esquisito.
Na rua Kölner, a principal de
Kerpen, os radares não permitem que se passe dos 30 km. É
um alerta de que tudo na modorrenta cidadezinha seja discreto e
devagar. Seria mais uma entre
tantas cidadezinhas assim no
oeste alemão, não fosse o fato,
que torna a placa ainda mais bizarra, de que ali cresceu o piloto
mais vencedor da história da F-1.
Michael Schumacher, nascido
em Hürth-Hermülheim, lugarejo a cerca de 20 km, e criado em
Kerpen, onde também começou
a correr, é só um espectro ali.
Diferentemente do que se imagina quando se pensa no Brasil,
não há idolatria nem euforia dos
habitantes em relação ao ilustre
filho da terra. Nenhum pôster,
nenhum retrato, nenhuma manifestação que indique que aquela é a terra de Schumacher.
Ou quase nenhuma, já que há,
no quintal de uma única casa,
uma bandeirinha da Ferrari a
tremular. E há a rua Michael
Schumacher, inaugurada em
2000, quando o hoje heptacampeão ganhou o seu terceiro título. Dá acesso ao enorme e moderno kartódromo que o piloto
construiu e que é administrado
pelo seu pai, Rolf -que estava
no local quando a Folha esteve
lá, no mês passado, mas se recusou a dar entrevistas, alegando
que parou de fazê-lo porque a
imprensa já deturpou muito o
que ele diz.
Mas, no núcleo central da cidade, que tem 20 mil habitantes (a
"Grande Kerpen" reúne 50 mil),
ninguém dá muita bola para o
campeão, muito pelo fato de que
é outro o esporte mais popular.
"Nós gostamos é de futebol.
Aqui todo mundo torce para o
Colônia, mas não há muito mais
a fazer. As pessoas são como robôs, programados para rotina
casa-trabalho, trabalho-casa. É
como se fosse uma cidade-dormitório", diz Ayhan Gundogdu,
28, químico e tecladista da banda
Emek, de ascendência turca como 10% da população.
O estudante Alexander Palantohen, 14, diz que o desdém com
o campeão é muito culpa dele
mesmo. "Nós gostamos do
Schumacher, mas ele não liga
muito para badalação, é muito
na dele. Só vem aqui para visitar
a família e mais nada."
"Como quase todo mundo
aqui, prefiro futebol à F-1. E em
segundo lugar corridas de kart",
conta Alexander, que prefere o
kartódromo de Schumacher ao
outro, onde o campeão começou, pois este não aluga karts.
Mesmo no salão "Conny", onde o astro corta o cabelo, por
16 (R$ 46,5), o entusiasmo é pequeno. O único cliente na tarde
de 23 de junho era Niklas Aussem, 14, acompanhado da mãe,
Karin. Questionado se prefere F-1 ou futebol, o garoto não hesita
em cravar a segunda opção.
Como toda regra, há em Kerpen uma exceção -ou quase.
Um dos maiores fãs mundiais de
Schumacher, que acompanha o
piloto por toda a parte, sempre
fantasiado com uma cartola com
um bonequinho do campeão,
Reiner Ferling, 53, vive numa cidade próxima. "É que, como ele
já ganhou sete títulos, para o pessoal daqui é meio normal", interpreta ele, que fundou um fã-clube do piloto. Dos 250 integrantes, só 30 são de Kerpen.
A mulher de Reiner, Marita,
tem outra avaliação, a de que boa
parte da culpa é do ex-prefeito
Ralf Valkysers, que deixou o cargo em dezembro passado.
"Ele se queixava que Schumacher não vinha muito aqui, então
o retaliava. No ano passado, na
corrida em que ele acabou sendo
heptacampeão, estava programado um telão na rua e uma festa em seguida. Não teve porque o
prefeito disse que esqueceu e foi
a um torneio de xadrez."
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