São Paulo, terça-feira, 24 de agosto de 2004

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LUTA LIVRE

"Tenho orgulho de meu sangue", diz Patricia Miranda, que lamenta preconceito

Filha de exilados comemora bronze pelos EUA, mas com broche do Brasil

MARCELO DIEGO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS

A bandeira que tremulava, indicando a conquista de uma medalha de bronze, era a dos Estados Unidos. Mas, na manga esquerda do uniforme, era um broche com o símbolo do Brasil que Patricia Miranda exibia ontem no pódio olímpico de Atenas.
A terceira colocada na disputa da luta livre, categoria até 48 kg, nasceu em Manteca (Califórnia, EUA). Mas é filha de um paulista e de uma paraense. Fala português bem, mas com sotaque, já esteve diversas vezes no país para visitar familiares e adora a música e a comida brasileiras.
Seus pais, José Adura Miranda e Maira Lia Iida, saíram do Brasil, rumo ao Canadá, em 1969. Membros da Ação Popular, eles fugiram do AI-5 (Ato Institucional número 5) e da ditadura militar. Dez anos depois, com a Lei da Anistia, mudaram-se para os EUA. A mãe morreu em 1989, de um aneurisma cerebral.
Olho direito inchado, após lutar cinco vezes e perder uma (na semifinal), Patricia Miranda, 25, estava indecisa ontem sobre se considerava o bronze um grande feito ou não. "Trabalhei minha cabeça para o ouro", afirmou a atleta, duas vezes vice-campeã do mundo, com uma ponta de decepção na voz. Sua derrota foi para a ucraniana Irini Merleni, que venceu a disputa olímpica.
Pouco depois, a norte-americana filha de exilados brasileiros abriu um sorriso e disse ter diversos motivos para se orgulhar.
Um deles, sua trajetória até o pódio em Atenas. Ela começou a lutar ainda pequena, na escola.
Diz ter sofrido preconceito, inclusive dentro de casa, já que seu pai era contra. A censura era motivada pelo fato de ela treinar sempre com garotos, o que potencializava o risco de machucados.
Mas geralmente ela saía ilesa, e os oponentes é que levavam a pior. "Como uma boa família de brasileiros, eles acham que futebol é o único esporte do mundo. Eu tentei praticar, mas não tinha o menor jeito", afirmou.
José Miranda estava ontem na arquibancada do ginásio Ano Liossia, torcendo por sua filha. Foi por ele que Patricia colocou o pequeno broche em seu uniforme: "Tenho orgulho de ser brasileira de sangue". Mas afirma que agradece sempre ao pai a decisão de a família ter seguido morando nos EUA, mesmo apesar do desejo familiar de voltar à terra natal.
A versão feminina da luta foi disputada pela primeira vez em Olimpíadas, e Patricia acredita que o fato pode ajudar a popularizar a modalidade, pelo menos nos EUA. "As pessoas param em frente ao aparelho de TV, olham para o suor, para a superação, para o triunfo, para tudo aquilo que nos faz amar o esporte."
Seu discurso revela indignação pelo fato de os homens disputarem mais modalidades do que mulheres na Olimpíada.
"Enquanto não me provarem que, para competir, é preciso algo mais do que dois braços e duas pernas, não vejo por que a diferenciação", afirma.
Agora, ela vai para Yale, cursar Direito. Suas aulas começam na semana que vem -conseguiu uma licença especial somente para disputar os Jogos. Quer fazer carreira em política internacional e trabalhar na ONU (Organização das Nações Unidas). "Sempre quero fazer o melhor possível. Agora, só penso em ser a melhor da minha turma na faculdade."


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