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LUTA LIVRE
"Tenho orgulho de meu sangue", diz Patricia Miranda, que lamenta preconceito
Filha de exilados comemora bronze pelos EUA, mas com broche do Brasil
MARCELO DIEGO
ENVIADO ESPECIAL A ATENAS
A bandeira que tremulava, indicando a conquista de uma medalha de bronze, era a dos Estados
Unidos. Mas, na manga esquerda
do uniforme, era um broche com
o símbolo do Brasil que Patricia
Miranda exibia ontem no pódio
olímpico de Atenas.
A terceira colocada na disputa
da luta livre, categoria até 48 kg,
nasceu em Manteca (Califórnia,
EUA). Mas é filha de um paulista e
de uma paraense. Fala português
bem, mas com sotaque, já esteve
diversas vezes no país para visitar
familiares e adora a música e a comida brasileiras.
Seus pais, José Adura Miranda e
Maira Lia Iida, saíram do Brasil,
rumo ao Canadá, em 1969. Membros da Ação Popular, eles fugiram do AI-5 (Ato Institucional
número 5) e da ditadura militar.
Dez anos depois, com a Lei da
Anistia, mudaram-se para os
EUA. A mãe morreu em 1989, de
um aneurisma cerebral.
Olho direito inchado, após lutar
cinco vezes e perder uma (na semifinal), Patricia Miranda, 25, estava indecisa ontem sobre se considerava o bronze um grande feito
ou não. "Trabalhei minha cabeça
para o ouro", afirmou a atleta,
duas vezes vice-campeã do mundo, com uma ponta de decepção
na voz. Sua derrota foi para a
ucraniana Irini Merleni, que venceu a disputa olímpica.
Pouco depois, a norte-americana filha de exilados brasileiros
abriu um sorriso e disse ter diversos motivos para se orgulhar.
Um deles, sua trajetória até o
pódio em Atenas. Ela começou a
lutar ainda pequena, na escola.
Diz ter sofrido preconceito, inclusive dentro de casa, já que seu
pai era contra. A censura era motivada pelo fato de ela treinar sempre com garotos, o que potencializava o risco de machucados.
Mas geralmente ela saía ilesa, e
os oponentes é que levavam a
pior. "Como uma boa família de
brasileiros, eles acham que futebol é o único esporte do mundo.
Eu tentei praticar, mas não tinha o
menor jeito", afirmou.
José Miranda estava ontem na
arquibancada do ginásio Ano
Liossia, torcendo por sua filha.
Foi por ele que Patricia colocou o
pequeno broche em seu uniforme: "Tenho orgulho de ser brasileira de sangue". Mas afirma que
agradece sempre ao pai a decisão
de a família ter seguido morando
nos EUA, mesmo apesar do desejo familiar de voltar à terra natal.
A versão feminina da luta foi
disputada pela primeira vez em
Olimpíadas, e Patricia acredita
que o fato pode ajudar a popularizar a modalidade, pelo menos nos
EUA. "As pessoas param em frente ao aparelho de TV, olham para
o suor, para a superação, para o
triunfo, para tudo aquilo que nos
faz amar o esporte."
Seu discurso revela indignação
pelo fato de os homens disputarem mais modalidades do que
mulheres na Olimpíada.
"Enquanto não me provarem
que, para competir, é preciso algo
mais do que dois braços e duas
pernas, não vejo por que a diferenciação", afirma.
Agora, ela vai para Yale, cursar
Direito. Suas aulas começam na
semana que vem -conseguiu
uma licença especial somente para disputar os Jogos. Quer fazer
carreira em política internacional
e trabalhar na ONU (Organização
das Nações Unidas). "Sempre
quero fazer o melhor possível.
Agora, só penso em ser a melhor
da minha turma na faculdade."
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