|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BASQUETE
Cinturão
MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE
O time carece de arremessadoras natas, não tem pontaria de três pontos, e a única com essas características é a armadora
titular, já sobrecarregada?
Ok, isole-a nas laterais, engatilhada para arriscar à cesta, e escolha outra para conduzir a bola.
A reserva imediata para a posição é inexperiente, quase uma caloura, arrojada demais, dois "turnovers" para cada assistência?
Sem problema, dê somente a ela
a tarefa de levar a bola até a
"quadra" adversária. Tire o jogo
de suas mãos. E pé no freio.
A craque está sem ritmo, não
consegue correr 40 minutos, e os
oponentes sempre "colam" nela?
Tudo bem, preservá-la é outro
motivo para construir as jogadas
com calma. Use-a como salva-vidas, arma de último recurso.
Mas como implantar um esquema tão sofisticado com um grupo
que quase não treinou, que se
juntou pouco antes do embarque?
Explore as atletas que atuam
juntas há mais tempo e que tenham recursos técnicos e físicos.
Assim, tomada de bom senso, a
comissão técnica deslocou Helen
para a ala, amarrou o cabresto
em Adrianinha, abdicou do contra-ataque e tirou a âncora ofensiva de Janeth, entregando-a às
pivôs Cíntia Tuiú e Alessandra.
A primeira, 1,95 m, postava-se
no bico do garrafão, controlando
o fluxo do ataque. A segunda,
2,00 m, brigava sob a tabela para
completar a ponte aérea com
mortíferas bandejinhas.
Tão logo Adrianinha cruzava o
meio da quadra, era acionado o
"hi-low" -"a de cima para a de
baixo", no caipirês do técnico Antonio Carlos Barbosa. Se a defesa
congestionava o garrafão com o
intuito de bloquear o passe para
Alessandra, a bola era desviada
para Helen (chute de três) ou para Janeth ("jump" curtinho, depois de um corta-luz caracol).
A seleção acatou a receita e largou bem. Dominou os garrafões
em todos os confrontos, 38 rebotes
em média. E, com paciência, erigiu o ataque mais certeiro, 52,7%.
Tuiú tornou-se a líder em assistências, e Alessandra, a cestinha.
Janeth repetia as belas atuações
da WNBA, Scottie Pippen de macaquinho, eficiente em todos os
fundamentos. E Helen arrebentava, melhor pontaria do torneio.
A contusão desta na terceira rodada, porém, pôs o plano a pique.
Os rivais perceberam que podiam
parar de defender o perímetro.
Dobraram a marcação sobre
Alessandra e, sobretudo, sobre
Tuiú, estrangulando o "hi-low".
Janeth até conseguiu reanimar
o time nos momentos decisivos
contra a Iugoslávia, na primeira
fase, e a Austrália, na segunda.
Mas ontem não teve jeito. Pouco a pouco, o Brasil perdeu o gás.
Adrianinha (Claudinha) e Silvinha (Adriana), sem perfil matador, ciscavam esterilmente, enquanto Janeth, Tuiú e Alessandra
peitavam cinco sul-coreanas.
O ataque atabalhoado desguarnecia a defesa. As duas pivôs e as
duas alas eram colhidas no miolo
do garrafão ou na "linha de fundo", e o time, sem balanço de cobertura, ficava exposto. A 50 segundos do final, caiu prostrado.
Todo jogo cerebral implica um
custo físico e psicológico. Como
não há contra-ataques (e cestas
fáceis), gasta-se uma energia tremenda a cada posse de bola.
Faltou, em resumo, combustível
a esta seleção russa que o país enviou ao Mundial da China, uma
dose de brasilidade para improvisar opções de jogo. Nunca imaginei que um dia redigiria isso, mas
faltou cintura ao Barbosa.
Brasil 1
Longe do pódio, a seleção pouco fará para reativar o calendário nacional de torneios. Das 12 atletas que viajaram para a China, somente 5 podem atuar no país no segundo semestre: Janeth (Ourinhos), Helen e Silvinha (Americana) e Érika e Micaela (Vasco).
Brasil 2
Adrianinha, Iziane, Micaela, Kelly, Érika... A base de 20 e (bem)
poucos anos tem tudo para, no mínimo, segurar o Brasil entre os
olímpicos ao longo da década. Muito diferente da situação catastrófica da seleção masculina, ainda que a frustração da derrota perante as sul-coreanas tenda a igualar os diagnósticos de crise.
Brasil 3
O Mundial de 2006 será no Brasil. Palco perfeito para o adeus de Janeth, que terá 37 anos, e Alessandra, 33, jogadoras que fizeram diferença na história da seleção. Tomara que tenham paciência até lá.
E-mail melk@uol.com.br
Texto Anterior: A Seleção no topo Próximo Texto: Futebol - José Roberto Torero: Deuses do futebol: Sifo Índice
|