São Paulo, terça-feira, 24 de setembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BASQUETE

Cinturão

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

O time carece de arremessadoras natas, não tem pontaria de três pontos, e a única com essas características é a armadora titular, já sobrecarregada?
Ok, isole-a nas laterais, engatilhada para arriscar à cesta, e escolha outra para conduzir a bola.
A reserva imediata para a posição é inexperiente, quase uma caloura, arrojada demais, dois "turnovers" para cada assistência?
Sem problema, dê somente a ela a tarefa de levar a bola até a "quadra" adversária. Tire o jogo de suas mãos. E pé no freio.
A craque está sem ritmo, não consegue correr 40 minutos, e os oponentes sempre "colam" nela?
Tudo bem, preservá-la é outro motivo para construir as jogadas com calma. Use-a como salva-vidas, arma de último recurso.
Mas como implantar um esquema tão sofisticado com um grupo que quase não treinou, que se juntou pouco antes do embarque?
Explore as atletas que atuam juntas há mais tempo e que tenham recursos técnicos e físicos.
Assim, tomada de bom senso, a comissão técnica deslocou Helen para a ala, amarrou o cabresto em Adrianinha, abdicou do contra-ataque e tirou a âncora ofensiva de Janeth, entregando-a às pivôs Cíntia Tuiú e Alessandra.
A primeira, 1,95 m, postava-se no bico do garrafão, controlando o fluxo do ataque. A segunda, 2,00 m, brigava sob a tabela para completar a ponte aérea com mortíferas bandejinhas.
Tão logo Adrianinha cruzava o meio da quadra, era acionado o "hi-low" -"a de cima para a de baixo", no caipirês do técnico Antonio Carlos Barbosa. Se a defesa congestionava o garrafão com o intuito de bloquear o passe para Alessandra, a bola era desviada para Helen (chute de três) ou para Janeth ("jump" curtinho, depois de um corta-luz caracol).
A seleção acatou a receita e largou bem. Dominou os garrafões em todos os confrontos, 38 rebotes em média. E, com paciência, erigiu o ataque mais certeiro, 52,7%.
Tuiú tornou-se a líder em assistências, e Alessandra, a cestinha. Janeth repetia as belas atuações da WNBA, Scottie Pippen de macaquinho, eficiente em todos os fundamentos. E Helen arrebentava, melhor pontaria do torneio.
A contusão desta na terceira rodada, porém, pôs o plano a pique. Os rivais perceberam que podiam parar de defender o perímetro. Dobraram a marcação sobre Alessandra e, sobretudo, sobre Tuiú, estrangulando o "hi-low".
Janeth até conseguiu reanimar o time nos momentos decisivos contra a Iugoslávia, na primeira fase, e a Austrália, na segunda.
Mas ontem não teve jeito. Pouco a pouco, o Brasil perdeu o gás. Adrianinha (Claudinha) e Silvinha (Adriana), sem perfil matador, ciscavam esterilmente, enquanto Janeth, Tuiú e Alessandra peitavam cinco sul-coreanas.
O ataque atabalhoado desguarnecia a defesa. As duas pivôs e as duas alas eram colhidas no miolo do garrafão ou na "linha de fundo", e o time, sem balanço de cobertura, ficava exposto. A 50 segundos do final, caiu prostrado.
Todo jogo cerebral implica um custo físico e psicológico. Como não há contra-ataques (e cestas fáceis), gasta-se uma energia tremenda a cada posse de bola.
Faltou, em resumo, combustível a esta seleção russa que o país enviou ao Mundial da China, uma dose de brasilidade para improvisar opções de jogo. Nunca imaginei que um dia redigiria isso, mas faltou cintura ao Barbosa.

Brasil 1
Longe do pódio, a seleção pouco fará para reativar o calendário nacional de torneios. Das 12 atletas que viajaram para a China, somente 5 podem atuar no país no segundo semestre: Janeth (Ourinhos), Helen e Silvinha (Americana) e Érika e Micaela (Vasco).

Brasil 2
Adrianinha, Iziane, Micaela, Kelly, Érika... A base de 20 e (bem) poucos anos tem tudo para, no mínimo, segurar o Brasil entre os olímpicos ao longo da década. Muito diferente da situação catastrófica da seleção masculina, ainda que a frustração da derrota perante as sul-coreanas tenda a igualar os diagnósticos de crise.

Brasil 3
O Mundial de 2006 será no Brasil. Palco perfeito para o adeus de Janeth, que terá 37 anos, e Alessandra, 33, jogadoras que fizeram diferença na história da seleção. Tomara que tenham paciência até lá.

E-mail melk@uol.com.br



Texto Anterior: A Seleção no topo
Próximo Texto: Futebol - José Roberto Torero: Deuses do futebol: Sifo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.