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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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FUTEBOL

Os técnicos: Heráclito

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

"Faleceu hoje nessa cidade o senhor Heráclito Gomes. Não deixa parentes." A nota, publicada no "Correio de Piracanjuba", não dá a medida do que foi homem. Nos dias de glória, ele simplesmente virou o futebol goiano de cabeça para baixo. Devo contar sua história antes que seja esquecida.
O início de tudo foi num quase desastre. Heráclito, com seus 15 anos, estava numa canoa que atravessava um caudaloso rio. Então a canoa virou e Heráclito, como não sabia nadar, estava condenado à morte. Porém um matuto que pescava em uma das margens viu o garoto se afogando e nadou para salvá-lo.
Depois, já recuperado, Heráclito agradeceu: "Obrigado, senhor, nunca mais vou entrar neste rio".
E o Matuto, ao escutá-lo, matutou e disse: "Nunca mesmo, porque nenhum homem entra duas vezes num mesmo rio".
Heráclito respondeu apenas com um "Hã", e o matuto, percebendo que havia sido obscuro, explicou: "É que, na próxima vez que entrar no rio, você já não será o mesmo, e o rio já será outro".
Essa idéia rodopiou pela cabeça de Heráclito durante a sua vida e foi o pilar de sua filosofia como técnico. Para ele, nada na natureza era estático e permanente, e um time de futebol deveria encarnar esse conceito dentro de campo se quisesse atuar em consonância com as forças da vida.
Assim sendo, Heráclito, nos distantes anos 30, já fazia com que seus jogadores não guardassem posição fixa e se movimentassem por todo o campo. Foi uma revolução! Algo parecido com o Piracanjuba de Heráclito só seria visto quatro décadas depois: a Holanda de Rinus Michels.
Já na partida de abertura da Taça Governador do Estado, o time aplicou uma notável goleada: 6 a 0. A vítima foi o Internacional de Mairipotaba. Vale a pena reproduzir um trecho da matéria publicada pelo "Correio Piracanjubense": "Os jogadores dirigidos pelo técnico Heráclito parecem grãos de milho numa panela: pulam de um lado para outro, mudam de lugar a cada instante e é impossível adivinhar qual será o lance seguinte".
Foram 12 jogos e 12 vitórias. E, na final do torneio, o time enfrentaria o mesmo Internacional de Mairipotaba.
Dessa vez, Heráclito radicalizou em sua filosofia. Antes da decisão, escreveu no quadro negro a inesquecível frase: "Nenhum time ganha duas vezes do mesmo adversário". E assim sendo escalou apenas os reservas.
O resultado foi 6 a 0 para o Mairipotaba.
Heráclito foi despedido.
Mas isso não é a página mais triste de sua história.
Depois de pegar suas coisas no clube, para espairecer um pouco ele foi pescar no mesmo rio em que quase se afogara. Fisgou um lambari, mas o peixe escapou. Fora de si, Heráclito atirou-se às águas atrás dele. Nem se lembrou de que não sabia nadar.
Uma testemunha ainda ouviu suas palavras finais:
- Ninguém se afoga duas vezes no mesmo rio, glub, glub...

Torcedores culpados
Ainda não sei o que significa a derrota do Palmeiras por 7 a 2, em pleno Parque Antarctica, para o Vitória. Só espero que os torcedores que apoiaram Mustafá Contursi e não apoiaram alguns jogadores, assumam sua parcela de culpa.

Atletas desculpados
A maior vergonha da semana no mundo esportivo (ou do mês, ou do ano) é o caso do Usoc, o comitê olímpico norte-americano. Carl Lewis foi pego três vezes em exames antidoping, mas, em vez de punir o atleta, o Usoc encobriu o caso. Os norte-americanos, assim no esporte como na política externa e na economia, não precisam seguir leis. Quem tem poder faz as suas próprias regras e passa sobre qualquer mediador, seja a ONU ou o COI.

E-mail torero@uol.com.br


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