São Paulo, terça-feira, 25 de setembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

BASQUETE

A condição humana

MELCHIADES FILHO
EDITOR DE ESPORTE

Não será por dinheiro. Mesmo aposentado, contratos de publicidade, aplicações financeiras e produtos que levam sua marca continuaram a jorrar milhões de dólares. Ademais, seu novo time já havia estourado a folha salarial e só poderá lhe pagar US$ 1,3 milhão, migalha para quem recebia 20 vezes mais.
Nem faz sentido imaginar uma conspiração de patrocinadores. Até seus parceiros mais fiéis já praticavam novas estratégias de mercado, cada vez mais afastados do basquete. A Nike, por exemplo, não se candidatou a fornecer material para o campeonato -o contrato, de US$ 175 milhões e dez anos, caiu no colo da arqui-rival Reebok há dois meses.
Tampouco há pressão dos cartolas. O mais recente plano de marketing da NBA ignora veteranos como Ele. A ordem é priorizar a promoção de jovens atletas e, novidade, alguns "estrangeiros".
Não será por conta dos interesses das TVs. Igualmente colhidas de surpresa, não haviam previsto a exibição de nem sequer uma partida de sua nova equipe -às pressas, revêem as grades.
Nem por causa dos mais ardorosos fãs. Tanto que Ele secionaria laços de 15 anos com o clube e a cidade que o projetaram -sairiam os Bulls e Chicago, entrariam os Wizards e Washington.
Não será para saciar a sede de títulos. Senão, como explicar sua opção por um saco de pancadas? Faz 13 anos que o Washington não passa à segunda fase do torneio. Na temporada passada, ganhou somente 19 das 82 partidas, ficando 20 vitórias aquém da zona de classificação -e 50 da faixa a que Ele se acostumou antes de pendurar os tênis de cano alto.
Não será por saudade dos colegas de glória. Afinal, não teria a seu lado nenhum remanescente do hexacampeonato -Phil Jackson agora comanda o Los Angeles, Scottie Pippen toca a vida no Portland, Dennis Rodman e Luc Longley se aposentaram...
Nem pela vontade de dar uma lição nos sucessivos candidatos que o basquete teimou em lançar a seu trono -Ele reconhece que, aos 38 anos, teria dificuldades diante de dínamos como Kobe Bryant, Vince Carter, Grant Hill, Tracy McGrady e Allen Iverson.
Muito menos pela obsessão de preservar o mito. Afinal, nenhuma legenda do esporte tinha se despedido de forma tão consagradora -seu gesto de adeus foi a cesta que deu, a 5 segundos do fim do jogo, a sexta taça aos Bulls.
Ah, não se iluda, Ele sacudiria cada célula de seu corpo para exceder em tudo isso -para levantar os Wizards, para buscar um sétimo título, para superar os garotos valentões, para triunfar.
Afinal, Ele odeia ser derrotado, despreza quem perde, não suporta a idéia de ser batido.
Mas, nos três anos distante das quadras, Ele descobriu algo que abomina ainda mais: não jogar.
Tem gente que madruga para correr no parque. Ou que atrasa o sono por causa da pelada com os colegas de escritório. Que resolve, de supetão, treinar feito louco para a São Silvestre. Que amassa bolinhas de papel até encestar no balde de lixo. Que encara horas de trânsito na estrada para pegar uma dezena de ondas.
Fazem isso por prazer, para se testar, para se sentir vivas.
Quando se afastou do basquete, Michael Jordan era considerado um Deus. Caso confirme hoje seu retorno, mostrará que é também um ser humano -que Ele, no fundo, é ele. Aleluia.

Jordan 1
Acometido de uma tendinite nos joelhos, Jordan disse a jornalistas que, de 1 a 10, considera ter atingido um nível 8. Muitos dirão que 80% de Jordan é melhor que 100% de quase todo mundo. Ainda assim, são 80% de Jordan. Não dá para esperar a mesma magnitude.

Jordan 2
Chris Whitney, Richard Hamilton, Kwame Brown e Jahidi White completariam o time do Washington. Jordan atuaria como 3, "small forward", e não como 2, "shooting guard". Para poupá-lo na defesa, o técnico Doug Collins abusaria da marcação por zona.

Jordan 3
Compreensível, se a NBA fizer reverências. Mas não haverá moleza. Ron Artest, do Chicago, passou o recado nos jogos que o ídolo organizou para readquirir a forma -insatisfeito com as piadinhas de Jordan, o ala quebrou-lhe duas costelas com um soco. E-mail: melk@uol.com.br


Texto Anterior: Futebol: São Paulo acerta com Athirson, mas falta resposta da Juventus
Próximo Texto: Basquete: Paulista começa fortalecido depois de crise nos rivais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.