São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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FUTEBOL

Ousar é preciso

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

O Campeonato Brasileiro deste ano está sendo o pior da história em todos os quesitos principais: quantidade de público, média de gols, qualidade do futebol apresentado. É o que se pode chamar de um fracasso de público e crítica.
Por que isso acontece?
Os simplistas de plantão dizem que o problema é a fórmula dos pontos corridos. Sua opinião poderia ser resumida numa frase: "Mata-mata ou morte".
Já expus muitas vezes minha visão sobre o assunto.
A meu ver, o declínio do campeonato não tem nada a ver com os pontos corridos, embora este formato só tenda a mostrar todo o seu acerto quando o número de clubes for reduzido para uns 20.
Mas há outras razões, mais substantivas, que costumam ser levantadas para explicar o baixo nível do atual Brasileirão.
A principal delas é a situação virtualmente falimentar dos clubes, que os leva a vender seus melhores jogadores para o exterior.
Essa sangria de talentos é, evidentemente, o principal fator de declínio técnico do futebol praticado no Brasil. Como já observou Rodrigo Bueno, o melhor futebol brasileiro, hoje, é o que se joga na Europa.
Pois bem. O que eu pretendo é acrescentar outra explicação para o desastre do Campeonato Brasileiro: a falta de coragem da maioria dos técnicos e, por conseguinte, dos seus comandados.
A impressão que se tem é que muitos cartolas e técnicos ainda não compreenderam muito bem o sentido do atual sistema de pontuação. Continuam pensando como na época em que cada vitória valia dois pontos e que o decisivo para a classificação eram os "pontos perdidos".
Em decorrência disso, seus times continuam entrando em campo, antes de tudo, para não perder. A filosofia (se é que se pode usar esse termo tão nobre) que predomina é a de "fechar os espaços", de "matar o jogo" no meio-de-campo. Assim, um Marcinho vale mais que um Pedrinho, um Fabinho vale mais que um Rosinei -e assim por diante. Não é à toa que o jogo fica horrível.
Como comentou o leitor Bento Bravo, a sensação que se tem ao assistir a uma coisa dessas é de claustrofobia. Imploramos para que surja uma jogada inesperada, um lance de talento e ousadia que rompa essa pasmaceira. E raramente esse lance vem.
Basta olhar com atenção a tabela de classificação para ver que, também em termos práticos, a estratégia medrosa não se justifica.
Para chegar ao topo, não basta perder pouco. Três times perderam menos que o líder Santos: o Atlético-PR, que está em segundo; o Palmeiras, que está em oitavo; e o Coritiba, que está em 11º. O importante é vencer muito.
Do mesmo modo, não basta tomar poucos gols. Nada menos que 15 clubes tomaram menos gols que o Santos, entre eles o lanterna Guarani. O que decide mesmo são os gols feitos, não os sofridos.
Faço um apelo aos dirigentes, técnicos e jogadores para que pensem um pouco sobre isso. O torcedor agradecerá.

Freio de mão
A convocação da seleção brasileira por Parreira também não primou pela ousadia. Concordo com Mário Magalhães quando diz que Robinho merecia o lugar de Luis Fabiano, e Roger, o de Edu. Seria um modo de premiar e incentivar alguns dos poucos representantes de um futebol mais criativo que continuam no Brasil.

Mulheres traídas
Falta ousadia também aos dirigentes e patrocinadores que, mais uma vez, estão dando as costas ao futebol feminino. Depois da brilhante campanha olímpica das nossas jogadoras, criou-se um ambiente favorável a um investimento no setor. Mas os cartolas dos clubes e das empresas preferem continuar investindo (mal) em cabeças-de-bagre do sexo masculino.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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