São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2010

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JOSÉ GERALDO COUTO

Queda de braço


As reações passionais ao caso Neymar falam mais de nós do que do jovem craque


JURO QUE tinha decidido dar um tempo antes de voltar ao assunto Neymar. Mas quem disse que eu consigo?
Houve, por um lado, a sequência espetacular de acontecimentos: 1) Neymar briga com o treinador do Santos; 2) o técnico cai, Neymar fica; 3) Neymar é excluído da seleção brasileira.
Mais importantes que os fatos em si são suas repercussões. Qual o sentido dessa encrenca toda? Qual o seu impacto no imaginário dos torcedores?
Para começar, cabe lembrar que não é de hoje que jogadores derrubam técnicos. Só Romário derrubou uma meia dúzia. São sempre lutas pelo poder, mediadas pela chamada "opinião pública".
A queda de braço entre Neymar e Dorival Jr., vencida pelo primeiro, desencadeou uma inusitada série de piadas na internet e nas conversas de botequim. De repente, Neymar virou, no imaginário nacional, o todo-poderoso soberano do futebol brasileiro, um déspota caprichoso cujo poder desconheceria limites.
Mas eis que sai a convocação da seleção, e o nome de Neymar não consta da lista. Mano Menezes deixa claro que a exclusão é uma tentativa de "enquadrar" o garoto, de dizer que na seleção ele não vai poder cantar de galo.
Muitos torcedores, irritados com os rompantes e provocações do jovem craque, aplaudiram o treinador. Juca Kfouri, com sua lucidez habitual, criticou a atitude de Mano, e concordo com ele quando diz que seria mais produtivo chamar Neymar para uma conversa "de homem para homem".
Mas é difícil julgar. O que é preciso, a meu ver, é evitar a todo custo os sentimentos rancorosos e vingativos que quase sempre emergem nesses casos.
O futebol e seus personagens são como uma página em branco em que projetamos nossos próprios desejos, medos e convicções. Muitos de nós usamos o que vemos no campo e fora dele para confirmar aquilo em que já acreditamos.
Há muita gente que não suporta Neymar porque ele é petulante, abusado, desrespeitoso com adversários e companheiros, insubordinado com seus "superiores". Mas há também gente que não o engole simplesmente porque ele é craque, é diferente, imprevisível.
A regra, o padrão, é sempre mais confortável, menos perturbador que a exceção.
Tarefa difícil, num caso desses, é separar o que é de Neymar do que é de nós mesmos, ou seja, saber até que ponto é com ele mesmo que estamos brigando ou com uma parte de nós mesmos.

jgcouto@uol.com.br


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