São Paulo, domingo, 25 de outubro de 1998

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FUTEBOL
Clubes com dívidas financeiras desmontam equipes, sofrem processos judiciais e até correm risco de fechar
Decadência contamina interior paulista

KLÉBER WERNECK
WARLEY MENEZES BAPTISTA
PAULO FERRARI VIARTI
das Regionais

Sem campeonatos para disputar, dívidas, más administrações e problemas com a Justiça passaram a ser os principais adversários dos clubes do interior do Estado.
A seguir alguns relatos da decadência do futebol no interior paulista, já apontado como força emergente do esporte no país nos anos 80 (leia texto ao lado).

Inter: ex-campeã falida
A Inter de Limeira, primeira equipe do interior do Estado a conquistar um título paulista, em 1986, passa pela maior crise financeira de sua história.
O time profissional está desativado desde o último campeonato estadual, e o clube tem uma dívida que chega a R$ 800 mil.
Além disso, o ex-presidente Vitório Marchesini, que abandonou o clube em julho e sumiu da cidade, é alvo de investigações policiais. Desde então, a Inter é presidida por Luiz Fernando Ferrari.
Marchesini saiu depois da realização de um bingo organizado pela direção do clube. Os R$ 260 mil arrecadados deveriam ser destinados ao pagamento de parte da dívida com fornecedores e jogadores, mas o dinheiro foi roubado.
A diretoria da Inter pediu na Justiça que o ex-presidente fosse intimado para explicar o desaparecimento do dinheiro. O caso ainda se desenrola no 3º DP da cidade.
Segundo o diretor de futebol da Inter, José Paschoal Angotti, como o time ficou sem disputar o Brasileiro, a receita diminuiu e as dívidas aumentaram.
O clube está sem patrocinador e procura conseguir um empréstimo na FPF (Federação Paulista de Futebol) e em bancos.

São José: caso de polícia
Desde o final do Paulista, o São José tem estado mais em evidência no tribunais do que nos gramados. Agora já virou até caso de polícia.
O promotor da 5ª Vara de São José dos Campos, Celso Márcio da Silva Ramos, requisitou a abertura de inquérito policial por desacato a uma determinação judicial.
Ele quer apurar a responsabilidade pela entrada de torcedores no estádio Martins Pereira em uma partida da equipe de juniores pelo Paulista, no último dia 3.
A proibição da presença de público foi imposta pela 5ª Vara Cível local devido à falta de uma alvará da vigilância sanitária. O jogo entre São José e União de Mogi das Cruzes foi liberado, desde que os portões do estádio estivessem fechados. Ainda sim, pelo menos 50 torcedores estiveram no local.
O próprio comando do clube está dividido pela Justiça. O presidente Arnaldo Pardal -o terceiro a ocupar o cargo desde o ano passado- foi afastado do departamento de futebol por tentar firmar contratos que lesariam o clube, segundo o conselho deliberativo.
O empresário Cláudio Santiago foi nomeado como gestor do departamento de futebol. Pardal, no entanto, comanda a parte social.
Além dos problemas judiciais, o clube já esteve ameaçado de desfiliação pela FPF por duas vezes nos últimos três meses devido a um calote em taxas estabelecidas pela entidade e salários dos jogadores.
A estimativa da diretoria é que o clube tenha uma dívida total de R$ 3 milhões, sendo R$ 1 milhão relativo ao INSS (Instituto Nacional de Seguro Social) e o restante referente a salários de funcionários e de jogadores que passaram pelo time.

Esportiva: sem estádio
A Esportiva de Guaratinguetá, que disputou o Paulista da Série B-1B, a quinta e última divisão do Estado, corre o risco de perder seu estádio devido a dívidas.
No dia último dia 9, o prefeito Francisco Carlos Moreira dos Santos assinou um decreto lei no qual a prefeitura toma posse do estádio, que ainda conta com um conjunto aquático e sede social.
A prefeitura alega que solicitou prestação de contas referentes às dívidas trabalhistas e com o INSS e não foi atendida pelo clube.
O presidente da Esportiva, Reinaldo Campello, contesta e afirma que a decisão foi política. "Protocolamos nosso pedido de levantamento e parcelamento de dívida junto ao INSS, mas ainda não fomos atendidos", disse.
Nos gramados, a Esportiva dependeu de um faz-tudo neste ano. Alberto Veraz, 33, foi técnico dos profissionais e dos juniores, zagueiro central, massagista, treinador de goleiros, chefe de delegação em viagens e dirigente, tudo por R$ 1.000 mensais.
O treinador dirigiu o time dentro de campo e terminou como artilheiro da Esportiva, com sete gols.
Sem dinheiro para contratar uma comissão técnica, ele contou apenas com a ajuda do preparador físico Jether Jorge de Castro. "De todos os zagueiros que vieram fazer teste eu preferi eu mesmo."
Ele se orgulha da sétima colocação da equipe na competição, mas reclama dos cinco meses de salários que está sem receber do clube. O improviso virou marca registrada no trabalho de Veraz.
O volante Izágona é um bom exemplo. O jogador veio do Nordeste para jogar futebol e foi aprovado no teste. No primeiro jogo, no entanto, sofreu uma torção no joelho e ficou fora do campeonato.
Izágona, então, foi aproveitado como mordomo do clube e síndico do prédio onde Veraz mora.

Taubaté: briga interna
No Taubaté, o fim da Série A-3 marcou o início das brigas internas no clube. Após o vice-campeonato conquistado, a diretoria executiva e a empresa que administra o futebol no clube, a JS Propaganda, vêm trocando acusações e denúncias.
O presidente do Taubaté, Antônio Ravani, pede a prestação de contas da empresa e usa um dossiê com denúncias -de irregularidades em inscrição de jogadores a supostos desvios de verbas que deveriam ser repassadas ao clube.
O Taubaté escalou o meia Ado irregularmente na final do Paulista da A-3. Mesmo se tivesse ganho a partida (perdeu por 1 a 0), não teria levado o título, de acordo com decisão do TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) da FPF.
O vice-presidente da JS, Edgar Soares Filho, desmente e justifica as acusações como "fruto da inveja do sucesso no futebol". O conselho deliberativo deve se reunir na próxima semana para discutir o tema.

Jacareí: ameaça de extinção
Fundado em 27 de outubro de 1980, o Jacareí Atlético Clube completa 18 anos na próxima semana correndo o risco de extinção.
A equipe foi a segunda pior do Estado nesta temporada. Ficou em penúltimo lugar na Série B-1B.
O clube não possui imóveis. Seu patrimônio se resume a alguns móveis, jogos de camisa e uma arquibancada de ferro -que está enferrujada- com capacidade para acolher 4.000 torcedores.
Até este ano os jogos da equipe eram realizados no estádio Antonio Jordão Mercadante, que pertence ao clube Elvira.
A falta de conservação das arquibancadas levou à interdição do local. A equipe, então, passou a mandar jogos em Mogi das Cruzes (a 40 quilômetros de Jacareí).
O clube conta com 5.000 sócios e não disputa nenhuma outra modalidade esportiva, fora o futebol.

Francana: imposto salvador
O presidente interino da Francana, Paulo Barreto, está tentando apoio junto à prefeitura local. A idéia do dirigente é cobrar R$ 2 no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) de cada contribuinte para ajudar as finanças do clube.
"Na cidade existem cerca de cem mil contribuintes, e, se cada um pagasse R$ 2 a mais por mês, estaria ajudando a Francana", disse.
Além de uma dívida de aproximadamente R$ 500 mil, a Francana foi inscrita na dívida ativa do município pelo não pagamento de R$ 25 mil de ISS (Imposto sobre serviços) referente à realização de um rodeio, feito em parceria com uma empresa de promoções.

Comercial: risco de penhora
Sem presidente, sem dinheiro, sem time, sem técnico e com uma dívida estimada em R$ 800 mil. Este é o Comercial de Ribeirão Preto.
O clube está à procura de candidatos a presidente, pois nas eleições marcadas para o último dia 20 nenhuma chapa se inscreveu. O maior problema é a dívida do clube, cerca de 40% dela relativa a processos trabalhistas.
Se o Comercial não saldar logo essas dívidas, as rendas dos jogos pela Série A-2 do Paulista correm o risco de serem penhoradas.
Desde o término do campeonato, o clube está com suas atividades profissionais paradas. Os 12 jogadores do time estão emprestados.

Sãocarlense: estaca zero
O Grêmio Sãocarlense não possui patrimônio nem elenco para tentar cobrir débitos de R$ 400 mil.
"Só no quadrangular da morte da Série A-2 do Paulista gastamos R$ 20 mil para montarmos uma boa equipe e evitar o rebaixamento. Mas, no próximo ano, a federação vai dar R$ 20 mil a cada clube e a Globosat, que comprou o campeonato, dará mais R$ 12 mil ao mandante", disse o presidente do Conselho Deliberativo do Sãocarlense, Elpídio Della Torre, na expectativa de melhora na situação.
Nas eleições realizadas na última sexta-feira, o empresário Paulo Sérgio Moura era o único candidato disposto a assumir o clube.
"Vamos ter de começar um trabalho do zero e montar um time inteiro. Mas não vamos entrar na Série A-2 do Campeonato Paulista apenas para participar, mas sim para tentar subir", disse Moura.


Colaboraram Fábio Soares, da Folha Vale, e Alexandre Loures, da Redação



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