São Paulo, quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

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FUTEBOL

Craques-que-não-foram: Pecente

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Sabido leitor, saborida leitora, vocês devem conhecer o tipo: ele jogava à beça quando era apenas um garoto de oito anos, já era brilhante aos 12 e genial aos 15. Todo mundo dizia que ele seria um jogador de futebol. E dos bons. De seleção. O sujeito tinha aquele raro talento que nós, os pernas-de-pau, tanto invejamos. Para ele o drible era fácil, e o gol, uma rotina. Mas, por algum motivo, ele não se tornou um jogador de futebol. Tornou-se um "craque-que-não-foi".
Há muitos deles por aí. Você deve conhecer alguns. Eu mesmo joguei com vários. Maionese era um escorregadio ponta-direita. Morreu num acidente de moto. Orlando era um driblador genial. Foi ser padre. Paulo Angolano era um central de classe. Virou engenheiro.
Os craques-que-não-foram estão por aí. Muitos nem lembram que nasceram com o dom e estão acomodados em suas vidas. Mas um ou outro suspira quando vê um campinho e pensa que sua vida poderia ter sido outra.
Pois bem, por estes dias estava eu lendo o mítico caderno de anotações de Pepe, onde ele tem todas as suas partidas anotadas desde os tempos de moleque, e vi que só dois jogadores faziam mais gols do que ele: Pelé, no profissional, e um tal de Pecente, nos juvenis.
Fiquei curioso. Quem seria este Pecente, capaz de fazer mais gols do que Pepe, que marcou 430 e é o 22º maior artilheiro da história do futebol nacional?
Pepe me contou que Pecente era o apelido de seu amigo Pedro Vicente. Os dois jogavam juntos no Comercial de São Vicente, e o técnico Lula, que naquele tempo cuidava das divisões de base do Santos, levou os dois para o infantil do alvinegro.
Pecente era veloz, de passe rápido e chutava forte com a canhota. Era alto. Tinha 1,79 m. Por isso também jogava basquete. Nos dois esportes, atuava como armador e pelos dois esportes foi campeão em 1954. Mas, segundo o próprio Pecente, ele era melhor no futebol do que no basquete.
O talentoso garoto seguiu nesta bigamia esportiva por um bom tempo, até que foi convidado para fazer uma excursão à Argentina pela seleção santista de basquete. A viagem de navio foi tão boa que desequilibrou a disputa.
Na volta, Pecente disse aos dirigentes do Santos: "Vou parar um pouquinho com futebol. Se não der certo, eu volto". Deu certo e nunca mais voltou.
Foi campeão brasileiro de basquete pela seleção paulista em 55, 56 e 57. Em 59, foi campeão mundial no Chile, na inesquecível seleção em que jogavam Wlamir, Amaury e Rosa Branca.
"Eu sei que seria um bom jogador de futebol", diz Pecente. Mas ele não acha que errou ao escolher o basquete. Pelo contrário. "Foi sorte, porque ia chegar o Pelé, que jogava na mesma posição que eu."
Pecente fez 71 anos no último sábado. Hoje está aposentado e mora em Piracicaba.
Poderia ter sido um grande jogador com a bola nos pés. Preferiu usar as mãos.
E não se arrepende.

Caderno de Pepe
Os cadernos de Pepe citados no começo desta coluna são impressionantes. Possuem as escalações de todos os jogos dos quais ele participou como jogador e técnico. Todos os resultados e os autores dos gols. Daria para fazer um livro com o tal caderno. E está sendo feito. A autobiografia de Pepe, recheada de histórias engraçadas, deve sair em abril, no aniversário do Santos.

Próximo
Na próxima semana contarei a história de outro "craque-que-não-foi". Seu apelido era Maninho e trata-se do sujeito que tabelava com Pelé no Baquinho, o time da infância do Rei. Valdemar de Brito, que levou Pelé para o Santos, indicou-o para o Palmeiras e disse que ele seria o ponta-direita de sua seleção.

E-mail torero@uol.com.br


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