São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2004

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FUTEBOL

A regra do jogo

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Tenho a impressão de que fechar os bingos para coibir a corrupção é jogar o bebê fora junto com a água do banho. (Pensava que os caça-níqueis -que estão em toda parte, e não só nos bingos- já eram ilegais. Por que não acabaram com eles antes?)
Sempre quis saber mais sobre os números do patrocínio ao esporte, mas não consegui convencer ninguém a investigar isso a fundo. Pensei em procurar pessoalmente o gerente de um bingo e perguntar sobre o faturamento bruto da casa, depois ir atrás da federação supostamente beneficiada e verificar se ela recebia os 7% de direito. Não haveria muita coisa ao meu alcance além de um "por favor, vocês podem me mostrar os números?". (O que eu deveria ter feito assim mesmo -cabe o mea-culpa.) Mas as autoridades tinham o poder e a obrigação de controlar esse repasse.
A associação entre esporte e "jogatina" é considerada inadequada, mas o conceito de jogo de azar na legislação e na sociedade tem suas incoerências. Pode-se apostar na loteria esportiva, na Mega Sena, na raspadinha e nos páreos do jóquei, mas não no bicho, na roleta ou no bingo. E não me lembro de alguém tachar de imorais as casas de apostas inglesas, que acolhem palpites a dinheiro sobre as chances do Brasil na Copa ou do Rio ser sede da Olimpíada.
A loteria esportiva, aliás, tem literalmente tudo a ver com futebol. A "Placar" revelou a máfia da loteca em reportagens históricas, João Alves invocou os 13 pontos como a fonte da sua fortuna, mas o jogo não foi banido por causa das baixarias em seu nome.
Cinema e o próprio futebol são duas atividades em que também se pode lavar dinheiro. Quanto vale um jogador? Quanto custa um filme? No mundo todo há suspeitas sobre números absurdos, com muitos zeros à direita (que o diga o Abramovich). Nem por isso há um movimento para proibir jogos e filmagens... Será que é tão difícil regulamentar e fiscalizar as casas de bingo?
Não dá para comparar os funcionários dos bingos aos "soldados" do tráfico, como já aconteceu. O sujeito é garçom, tem carteira assinada. De um dia para o outro, passa a fazer parte da ilegalidade e é desprezado como ex-membro de quadrilha. Calma lá.
Sim, jogo pode causar dependência. Todo mundo conhece alguém que arruinou a família na esteira da compulsão doentia. Mas nem por isso os freqüentadores dos bingos precisam, todos, de proteção na forma de proibição.
Não gosto de jogo, detesto lugares fechados fedendo a cigarro, mas não vejo os bingos como antros de perdição que devem sumir. E que não podem dar dinheiro para o esporte de jeito nenhum, sob risco de contaminação.
Que fique bem claro que não defendo a pilantragem (há quem o faça, alegando que "todo mundo rouba"). Mas temo que os bandidos, que não estão nem aí para a lei desde o princípio, tenham menos a perder com a história do que os decentes. Sei que acabo me alinhando com pessoas com quem normalmente não concordo, mas é minha sincera opinião.

Ontem e hoje
Tem gente que confunde coerência com irredutibilidade. Se no ano passado o Felipe não jogou quase nada, neste ano ele está arrebentando. Quem o chamou de "chinelinho" em 2003 tem todo o direito de elogiar agora. Se ele cair de rendimento, quem se empolgou agora vai poder criticar outra vez -mas não poderá negar a grande fase. E se fosse fácil brilhar contra times fracos ou defesas ruins, como alguns dizem dele (ou do Robinho e de outros jogadores do Santos), como é que não temos um camisa 10 arrebentando a cada rodada, em cada estádio?

À moda antiga
Aliás, o que Renato jogou no sábado contra o Marília não está no gibi. Que categoria.

E-mail
soninha.folha@uol.com.br


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