São Paulo, segunda-feira, 26 de março de 2001

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OPINIÃO

Nova legislação resgata um direito social

HERALDO PANHOCA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Hoje, o Brasil amanhece mais limpo. Chega ao fim o passe nascido dos usos e costumes, vínculo de aprisionamento, que manteve cativo o atleta por longos anos.
Desde Afonsinho em 1972, poucos atletas rebelavam-se, a impotência e o isolamento tornavam a batalha inglória. Veio 1976 e, na lei de regulamentação da profissão, a derrota final, isto é, o passe após o fim do contrato de trabalho era a derradeira pá de cal.
Em 1988, nossos Constituintes outorgaram a liberdade do exercício de trabalho, ofício ou profissão, libertando atletas após o término do contrato de trabalho. Dois fatores, porém, comprometeram o exercício da liberdade alcançada: a falta de conhecimento pela classe e o excesso de oferta de mão-de-obra. Os que exigiam o fim do passe ficavam marginalizados e desempregados.
Veio a Lei Zico, postergou-se a libertação, timidamente estabeleceu-se o critério de fixação do valor do passe. Caiu Collor, passou Itamar, e a bola chegou a FHC, que tinha no time Pelé, o atleta do século. Era 95, Bosman e Claudinho reacendiam as esperanças de liberdade. A resolução nš 01/96, do Indesp, pôs fim ao passe aos 30 anos, reescalonou para 27 anos em 98 e 26 em 99. Em 2000, passaram a ser todos os que completarem 25 anos. Muller, ex-São Paulo, fez a regra valer, buscou a Justiça do Trabalho, libertando-se.
O ministro Pelé recebeu de FHC a incumbência de refazer a lei geral do desporto. Nasceu a Lei Pelé, com a meta de extinguir o passe.
Dois fatores devem ser lembrados e enaltecidos. Primeiro, a Justiça do Trabalho, que contribuiu de forma reta e célere na distribuição da justiça ao obreiro do futebol. De Claudinho a Juninho Pernambucano, os resultados foram sentidos, e a Justiça inibiu retaliações. Quanto aos atletas amadores, que, apesar de livres pela definição, foram aprisionados -720 dias sem jogar era a pena ao amador que ousasse sair de seu clube-, o Juizado da Infância e da Juventude e juízes e desembargadores logo decidiram: "Atleta amador (não-profissional) é livre, e a manifestação de vontade da prática do desporto é direito garantida na constituição".
Segundo, as CPIs atiraram na CBF e apuraram que passaportes falsos, certidões de nascimento fraudadas e evasão de divisas eram consequências da venda do passe. Manter o passe seria o mesmo que deferir o direito de continuar fraudando.
Chegou o grande dia. Hoje, cerca de 50 mil atletas do futebol, de todas as idades, profissionais e amadores, estão libertados do passe. Não há, hoje, nenhum atleta de futebol com "passe preso".
Inicia-se uma nova fase no futebol, o espetáculo como entretenimento. A renda com a venda do espetáculo deverá substituir a receita do passe. Os critérios e as indenizações adotados na MP não afetarão o atleta brasileiro de futebol nos próximos sete anos.
Hoje, são livres, e, em nome dessa liberdade, quero cumprimentar a todos os atletas, de Afonsinho a Juninho Pernambucano, que buscaram a Justiça, pois permitiram que a sociedade resgatasse um direito social aprisionado por cem anos. Homenagens também a Carlos Miguel Aidar e ao atual prefeito de Caruaru (PE), Tony Gel, cujas ações foram decisivas na libertação dos atletas.


Heraldo Panhoca, 53, é advogado especializado em direito desportivo



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