São Paulo, domingo, 26 de junho de 2005

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Carlos Arthur Nuzman chega a uma década no COB à frente de estrutura que minou qualquer tipo de oposição

10 anos de SOLIDÃO

GUILHERME ROSEGUINI
MARIANA LAJOLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Tudo começou com uma derrota. Na década de 70, Carlos Arthur Nuzman tentou trocar seu posto de soberano do vôlei nacional pela cadeira de presidente do Comitê Olímpico Brasileiro.
Não conseguiu. Mas seus tombos diante de vozes dissonantes acabariam ali. No dia 29 de junho de 1995, trazendo no currículo uma gestão de 20 anos à frente da Confederação Brasileira de Vôlei, ele alcançou enfim o cargo de dirigente máximo das modalidades ditas amadoras.
De lá para cá, sua figura se confundiu com o próprio movimento olímpico. Onipresente, esteve sempre na dianteira das ações, seja na luta por dinheiro para financiar o esporte, seja nos festejos pelas medalhas alcançadas.
Elevou o nível dos resultados ao mesmo tempo em que arquitetava um sistema eleitoral rígido, no qual a figura do presidente ganhou aura de intocável.
Não por acaso, completa dez anos de gestão na próxima quarta-feira sem nunca ter sido ameaçado na presidência.
Não se trata da supremacia mais longa da história do comitê -o recorde é de Sylvio de Magalhães Padilha, que bateu Nuzman na eleição de 1979 e cuja gerência atravessou 27 anos, entre 1963 e 1990. O que chama atenção, agora, são os mecanismos que isolam o atual dirigente no poder.
O COB do reinado Nuzman, 63, é o mais rico da história. Desde o início de sua administração, o presidente buscou encher o cofre em diversas frentes: bingos, empresas estatais, repasses públicos.
A contrapartida pelas batalhas era ter o poder para decidir como os recursos seriam aplicados.
Exemplo emblemático vem da Lei Piva, que transferiu, de 2001 a maio deste ano, um montante sem precedentes de R$ 219,5 milhões ao movimento olímpico.
Pela legislação, essa soma, oriunda das loterias federais, vai direto para a mão do COB, que repassa para as 29 confederações filiadas. Estas, aliás, dependem da verba para tocar seus projetos.
Aí o impasse está deflagrado. Nas eleições para a presidência do comitê, votam todas as confederações e mais sete membros natos do órgão. Como, então, peitar o responsável pelo dinheiro?
"Esse sistema desportivo é antidemocrático. Claro que é difícil formar uma oposição. Mas, no caso do Nuzman, creio que isso não tem influência alguma. Nunca ouvi um chefe de confederação reclamar da sua forma de trabalho", narra Lars Grael, Secretário de Esporte e Juventude do governo paulista e ex-atleta olímpico.
De fato, são raríssimas as insurreições. A mais extravagante ocorreu com David Monteiro Gómez, do levantamento de peso. Sua entidade fica em Viçosa-MG. Antes de Sydney-2000, o presidente do COB convidou-o para transferir a estrutura para o Rio.
Gómez preferiu ficar. Coincidência ou não, sua pasta é uma das que menos ganham verba pública. Em 2003, levou R$ 835 mil. No ano passado, R$ 620 mil.
No bojo, as decisões do presidente sempre são bem recebidas. "Não vejo autoritarismo. As normas impostas levam o Nuzman a precisar ter controle da situação. É como o Antônio Ermírio ou a família Diniz no Pão de Açúcar. É preciso estar presente para evitar que fortunas se percam, que estruturas desmoronem", conta Roberto Gesta de Mello, que há 18 anos chefia o atletismo brasileiro.
A argumentação de quem defende teses como a de Gesta perpassa sempre pelos resultados esportivos. Admiradores defendem que Nuzman sempre soube converter dinheiro em medalhas. Em seus dez anos de comando, foram alcançados 37 pódios olímpicos -nos anos anteriores foram 39.
As conquistas, todavia, continuaram majoritariamente concentradas em modalidades nas quais o país já havia apresentado bons resultados antes de o atual presidente assumir seu cargo. Muitas delas que já contavam com bom financiamento.
"Seguimos brilhando na vela, no hipismo, no vôlei e no judô. No resto, a evolução não foi tão significativa. O Nuzman prometeu investir em esportes considerados pequenos no Brasil, que podem render muitas medalhas, como lutas e levantamento de peso. Isso não ocorreu", diz Manoel Luiz Oliveira, ex-presidente da Confederação Brasileira de Badminton.
O dirigente também é criticado pelo pouco investimento na base.
Nuzman argumenta que há crescimento de todas as modalidades e diz que seu currículo revela suas qualidades como gestor.
Filho de Isaac e Esther, Carlos Arthur nasceu no bairro de Copacabana. Praticou vários esportes na infância, até enveredar pelo vôlei. Integrou a seleção entre 1962 e 1968. Disputou dois Mundiais e os Jogos de Tóquio-1964.
Em 1975, tirou o uniforme, vestiu terno e assumiu a CBV, período em que a seleção masculina ganhou um ouro (1992) e uma prata (1984) nos Jogos.
Já no COB, encabeçou duas candidaturas olímpicas. Na busca pelo Rio-2004, a organização deixou dívidas de R$ 3 mi. O sonho do Rio-2012 naufragou de forma retumbante. Por outro lado, conquistou o direito de sediar os Jogos Pan-Americanos de 2007.
Fora do mundo esportivo, é dono de uma imobiliária e de um escritório de advocacia, segundo sua biografia oficial.
No discurso de sua posse no COB, realizado no Jockey Club Brasileiro, sentenciou que faria do Brasil uma potência olímpica em oito anos. Não conseguiu.
Em 2004, pediu mais tempo.
Ainda acalenta o desejo. Diz, contudo, que precisa de mais dinheiro -alega que a Lei Piva representa apenas um terço das necessidades. Caso contrário, o show olímpico pode demorar.


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