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Gênio no xadrez, esquisito na mercearia, Kia intriga Londres
A Folha refaz a trajetória britânica do chefão da MSI, da chegada do Irã ao batizado como empresário
FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Esta é a história de um menino
animado, atencioso, mas individualista. Ótimo no xadrez, ruim
no rúgbi. Bom no tênis, fiasco nas
aulas de música. Que depois tentou estudar química. E desistiu.
Que tentou estudar administração. E desistiu. Que, em Londres,
mora a 50 metros da faixa de pedestres mais famosa do mundo.
Isso quando não está do outro
lado do Atlântico. Em São Paulo.
Mandando no Corinthians. Esta é
a história de Kia Joorabchian, 33.
Durante duas semanas, a Folha
conversou com membros da comunidade iraniana em Londres,
visitou negócios registrados no
nome de Kia, foi ao prédio onde
mora, à casa de seus pais, à sua escola no interior, à sua universidade. E constatou: no Reino Unido,
terra que o adotou, ele enfrenta as
mesmas desconfianças da terra
que agora tenta adotar.
Suspeitas que começam na
mercearia de sua rua e que já chegam aos grandes jornais do país.
"Sim, eu sei de quem você está
falando. Ele é meio esquisito. Arrogante, você sabe? Isso, quem me
fala, são as pessoas que trabalham
com ele", diz o dono do mercadinho Grove Food & Wine, em
frente ao número 9 da Abbey
Road, endereço do iraniano em
Londres. "Tanto é que ele nunca
vem à loja. Manda os empregados
comprarem coisas básicas como
leite, água e manteiga."
Para atravessarem a rua e cumprirem a missão, os funcionários
precisam desviar dos turistas. O
prédio de Kia e a mercearia são ligados por um clássico da música:
a faixa de pedestres que está na capa de "Abbey Road", disco lançado em 1969 pelos Beatles.
O ponto turístico é visível da sala de Kia. O iraniano mora no primeiro andar de um prédio todo
envidraçado construído em 2001.
"Sem comentários, sem comentários, não falo mais nada", dispara a até então solícita recepcionista do edifício depois da identificação da reportagem.
É o início de uma série de negativas e bruscas mudanças de comportamento detonadas sempre
que o nome Kia é mencionado.
Tudo orquestrado pelo iraniano:
em São Paulo ou em Londres, ele
tenta ocultar ao máximo informações sobre sua vida pessoal e sobre seus negócios.
O apartamento tem três dormitórios, 464 m2 e é avaliado em 750
mil libras (cerca de R$ 3,7 milhões) pela The Estate Company,
imobiliária no número 55 da Abbey Road. Valor mediano para a
badalada e moderninha Hampstead, no noroeste de Londres
-na região, a empresa oferece
apartamentos por até 3,3 milhões
de libras, ou R$ 16 milhões.
No ano passado, um apartamento no mesmo prédio, um andar acima, foi vendido por 400 mil
libras (R$ 2 milhões), de acordo
com o registro de imóveis local. O
apartamento vizinho ao de Kia foi
vendido há quatro anos por 500
mil libras (ou R$ 2,5 milhões).
E isso é o que mais intriga a imprensa inglesa. Em Londres, o iraniano tem um padrão de vida de
médio para alto. Mas não é milionário famoso, figurinha de coluna
social, homem do futebol ou empresário que ganhou espaço aos
poucos. Kia apareceu de repente.
"Detalhes sobre seu passado são
nebulosos", escreveu o "The Times", na semana retrasada, acrescentando que a maneira como
Kia conduz os negócios dá margens a especulações. O "The
Guardian" destacou que o executivo iraniano aparece com dois
nomes e duas diferentes datas de
nascimento nos registros da
Companies House, espécie de
junta comercial do Reino Unido.
O "Mail on Sunday" relatou que
o mundo dos negócios só havia
notado Kia uma vez, no final dos
anos 90, quando ele se envolveu
em negociações com os bilionários russos Roman Abramovich e
Boris Berezovski -os mesmos
que ele nega, hoje, terem ligação
com a MSI ou com o Corinthians.
O jornal cita ainda que, antes de
surgir no futebol brasileiro, seu
envolvimento com o esporte se limitava ao camarote para oito pessoas que possui em Highbury, o
estádio do seu time do coração, o
Arsenal -para a temporada
2004/2005 pagou, no mínimo, 516
libras, cerca de R$ 2.580.
Por fim, o "Evening Standard",
resumindo o que insinuara a concorrência, classificou o chefe da
MSI de um homem "misterioso".
A Folha foi atrás desse passado.
A história começa com a revolução no Irã, no final dos anos 70.
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