São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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Gênio no xadrez, esquisito na mercearia, Kia intriga Londres

A Folha refaz a trajetória britânica do chefão da MSI, da chegada do Irã ao batizado como empresário

FÁBIO SEIXAS
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES

Esta é a história de um menino animado, atencioso, mas individualista. Ótimo no xadrez, ruim no rúgbi. Bom no tênis, fiasco nas aulas de música. Que depois tentou estudar química. E desistiu. Que tentou estudar administração. E desistiu. Que, em Londres, mora a 50 metros da faixa de pedestres mais famosa do mundo.
Isso quando não está do outro lado do Atlântico. Em São Paulo. Mandando no Corinthians. Esta é a história de Kia Joorabchian, 33.
Durante duas semanas, a Folha conversou com membros da comunidade iraniana em Londres, visitou negócios registrados no nome de Kia, foi ao prédio onde mora, à casa de seus pais, à sua escola no interior, à sua universidade. E constatou: no Reino Unido, terra que o adotou, ele enfrenta as mesmas desconfianças da terra que agora tenta adotar.
Suspeitas que começam na mercearia de sua rua e que já chegam aos grandes jornais do país.
"Sim, eu sei de quem você está falando. Ele é meio esquisito. Arrogante, você sabe? Isso, quem me fala, são as pessoas que trabalham com ele", diz o dono do mercadinho Grove Food & Wine, em frente ao número 9 da Abbey Road, endereço do iraniano em Londres. "Tanto é que ele nunca vem à loja. Manda os empregados comprarem coisas básicas como leite, água e manteiga."
Para atravessarem a rua e cumprirem a missão, os funcionários precisam desviar dos turistas. O prédio de Kia e a mercearia são ligados por um clássico da música: a faixa de pedestres que está na capa de "Abbey Road", disco lançado em 1969 pelos Beatles.
O ponto turístico é visível da sala de Kia. O iraniano mora no primeiro andar de um prédio todo envidraçado construído em 2001.
"Sem comentários, sem comentários, não falo mais nada", dispara a até então solícita recepcionista do edifício depois da identificação da reportagem.
É o início de uma série de negativas e bruscas mudanças de comportamento detonadas sempre que o nome Kia é mencionado. Tudo orquestrado pelo iraniano: em São Paulo ou em Londres, ele tenta ocultar ao máximo informações sobre sua vida pessoal e sobre seus negócios.
O apartamento tem três dormitórios, 464 m2 e é avaliado em 750 mil libras (cerca de R$ 3,7 milhões) pela The Estate Company, imobiliária no número 55 da Abbey Road. Valor mediano para a badalada e moderninha Hampstead, no noroeste de Londres -na região, a empresa oferece apartamentos por até 3,3 milhões de libras, ou R$ 16 milhões.
No ano passado, um apartamento no mesmo prédio, um andar acima, foi vendido por 400 mil libras (R$ 2 milhões), de acordo com o registro de imóveis local. O apartamento vizinho ao de Kia foi vendido há quatro anos por 500 mil libras (ou R$ 2,5 milhões).
E isso é o que mais intriga a imprensa inglesa. Em Londres, o iraniano tem um padrão de vida de médio para alto. Mas não é milionário famoso, figurinha de coluna social, homem do futebol ou empresário que ganhou espaço aos poucos. Kia apareceu de repente.
"Detalhes sobre seu passado são nebulosos", escreveu o "The Times", na semana retrasada, acrescentando que a maneira como Kia conduz os negócios dá margens a especulações. O "The Guardian" destacou que o executivo iraniano aparece com dois nomes e duas diferentes datas de nascimento nos registros da Companies House, espécie de junta comercial do Reino Unido.
O "Mail on Sunday" relatou que o mundo dos negócios só havia notado Kia uma vez, no final dos anos 90, quando ele se envolveu em negociações com os bilionários russos Roman Abramovich e Boris Berezovski -os mesmos que ele nega, hoje, terem ligação com a MSI ou com o Corinthians.
O jornal cita ainda que, antes de surgir no futebol brasileiro, seu envolvimento com o esporte se limitava ao camarote para oito pessoas que possui em Highbury, o estádio do seu time do coração, o Arsenal -para a temporada 2004/2005 pagou, no mínimo, 516 libras, cerca de R$ 2.580.
Por fim, o "Evening Standard", resumindo o que insinuara a concorrência, classificou o chefe da MSI de um homem "misterioso".
A Folha foi atrás desse passado. A história começa com a revolução no Irã, no final dos anos 70.


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