São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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O xá do Irã...

Kia inglês nasce com o fim do regime de Reza Pahlevi, vira universitário relapso, ganha empresa dos pais e constrói conglomerado

DO ENVIADO A LONDRES

Irã, 1979. Após 25 anos oprimida pelo regime pró-EUA do xá Reza Pahlevi, a população iraniana se insurge. A revolução xiita instaura uma teocracia comandada pelo aiatolá Khomeini, deixando os aliados do antigo governo sem outra saída senão... sair.
Êxodo forçado. Às pressas. E, por motivos óbvios, países alinhados à política americana são o destino escolhido pelas famílias.
Entre elas, os Joorabchian. Naquele final de 1979, o pai, Mohammad, então 41, a mãe, Shahrzad Maderi, 30, e o menino Kiavash, 8, colocaram os pés no Canadá.
Ficaram pouco tempo. O suficiente para que pai e filho obtivessem cidadania canadense. Em 22 de outubro de 1980, já moravam em Londres, Reino Unido.
É o que mostra certidão de nascimento obtida pela Folha. Está na página 2.715, volume 15, dos registros de Westminster: naquela data, na capital inglesa, nasceu Tannaz Rose, a caçula da família.
À exceção de Kia, que passou os últimos meses em São Paulo, a 9.470 km e um oceano de distância, o núcleo da família continua coeso. Seus pais e a irmã moram no número 24 da Bancroft Avenue, em Finchley, subúrbio classe média alta no norte de Londres.
A Folha foi à casa dos pais de Kia. Um sobrado com quintal nos fundos, seguindo o padrão da rua, tranqüila, residencial.
Em frente à garagem, dois carros, um Vauxhall Elite e um Mercedes-Benz SL. O homem que abre a porta, aparentando cerca de 50 anos, feições árabes, calça azul de moletom, camiseta cinza com a gola esgarçada, diz que é um amigo cuidando da casa para a família, que estaria viajando.
Irritado, afirma que não pode dar informações. Bate a porta.
Mas a história de Kia na Inglaterra não se resume a Londres.
Entre os 13 e os 17 anos, de 1984 a 1988, o hoje comandante da MSI morou em Henley-on-Thames, a 65 km da capital. Era um dos 300 internos do Shiplake College, instituição fundada em 1959 e que divide as crianças em seis casas, criando espécies de irmandades -tradição de internatos ingleses exposta ao mundo nos filmes e livros da série "Harry Potter".
Kia viveu na casa Everett, em um quarto de 10 m2 com um beliche e duas escrivaninhas. Nas paredes da casa, ele está lá, em fotos preto-e-branco dos anos 80.
Nos registros da escola, o pequeno Kia é descrito como um aluno "atencioso, mas individualista". Seu ex-professor de música, Malcolm Woodcok, diz que ele era "fraco" na matéria.
"Mas lembro que ele jogava muito bem xadrez e que era bom no tênis. No rúgbi ele também não era um sucesso. Nunca fez parte do time da escola", conta Woodcok, também presidente da Sociedade dos Velhos Vikings, que congrega antigos alunos.
Na época de Kia, o Shiplake, que fica às margens do rio Tâmisa, só aceitava meninos. Hoje, é uma escola mista e cobra anuidade de 17.955 libras (cerca de R$ 89.800).
Diante do prédio principal, um campo de futebol parece ser mais um elo entre o Kia das fotos na parede e o da MSI. Nem tanto.
O futebol nunca foi um dos principais esportes do colégio. Remo e rúgbi são as prioridades, dão mais prestígio aos alunos.
Em 89, o iraniano voltou a Londres. E matriculou-se em química na Queen Mary, escola integrante da Universidade de Londres. Em 90, enfim, a guinada da sua vida: decidiu estudar administração.
Deixou de lado a tabela periódica e começou a estudar "business", na mesma faculdade.
Durou apenas um ano. Em 91, o iraniano abandonou o novo curso. Foi aprender, na prática, a ser um administrador. E começou a trabalhar nos negócios do pai.
Os dias de xadrez às margens do Tâmisa haviam chegado ao fim. Kia já era gente grande. Mas ainda não tão grande quanto achava que deveria ser. (FÁBIO SEIXAS)


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