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...e o chá das cinco
"Ninguém sabe de onde vieram ou o que faziam, só que têm tino nos negócios"
DO ENVIADO A LONDRES
Sam Ala ouve o nome de Kia
Joorabchian e demora a reagir.
Ele é iraniano, como Kia. Vive em
Londres, como Kia. Ambos têm
33 anos e são executivos bem-sucedidos. Pertencem à mesma geração: chegaram meninos à Inglaterra depois que os seus pais decidiram deixar Teerã para trás.
Mas o nome Joorabchian não
provoca nenhuma fagulha. Ala
recosta na cadeira, reflete alguns
segundos. Enfim, estala os dedos.
"Ah, sim... Joorabchian. Eles são
o típico caso de família que deixou o Irã logo depois da revolução", diz, empolgando-se à medida em que vai lembrando dos fatos. "É que eles não são muito conhecidos. No Irã, nunca foram
uma família rica. Os Joorabchian
não têm uma história no Irã, ninguém sabe de onde eles vieram ou
o que eles faziam por lá. Só se sabe
que eles têm, sim, um bom tino
para os negócios."
Indicado pela Embaixada do Irã
no Reino Unido como "o homem
que mais conhece a comunidade
iraniana em Londres", Mohammad Zafari, 40, diretor de uma
editora árabe, segue pelo caminho de Ala: sabe muito pouco sobre a família do homem que desde o final do ano passado controla
o futebol do Corinthians e desperta sucessivas suspeitas nas autoridades brasileiras.
Ele afirma que só recentemente
ouviu falar dos Joorabchian. E foi
por acidente: um amigo comentou que havia comprado um carro na revenda de um iraniano, a
Medway Autos, do pai de Kia.
"Eles não freqüentam os eventos e os jantares da comunidade,
nunca aparecem, não são conhecidos. E moram longe de Kensington [oeste de Londres, onde
está a maior concentração iraniana da cidade]", explica Zafari.
Ou seja, mesmo dentro da comunidade iraniana, mesmo entre
homens de negócio em Londres,
Kia Joorabchian é um quase desconhecido, um quase anônimo.
Uma condição que causou calafrios na Rússia quando, em 1999,
ele foi notícia pela primeira vez.
Uma constatação que preocupa
parte dos conselheiros do Corinthians. Uma situação, porém, que
ele se esforça para manter.
Blindagem
Assim que descobriu que a Folha preparava esta reportagem,
Kia acionou um esquema de blindagem. Entrou em contato com
seu ex-colégio e sua antiga faculdade e proibiu que qualquer informação adicional fosse dada.
Coincidência ou não, os iranianos com quem a reportagem havia conversado anteriormente
também se negaram a falar mais
sobre o homem à frente da MSI.
De São Paulo, questionada sobre o motivo da operação de blindagem, a assessoria de imprensa
do fundo de investimentos alegou
que Kia "não quer ver sua vida estampada em jornais".
Preocupação que talvez fosse
desnecessária não tivesse sido
aquela quarta-feira, 12 de junho
de 1996. Naquela data, cinco anos
depois de abandonar a faculdade
de administração e após uma experiência na Bolsa Internacional
de Petróleo, em Londres, o iraniano tornou-se empresário.
Às vésperas de completar 25
anos, ganhou de presente do pai
diretorias na Medway Autos, então revendedora exclusiva da
Mercedes-Benz, e na Greens of
Rainham, registrada na Companies House como distribuidora de
combustível, na prática revenda e
oficina autorizada da Vauxhall,
braço da General Motors.
Anos depois, sua irmã caçula
ganharia presente semelhante.
Atualmente, a Medway Autos está
igualitariamente repartida entre
quatro sócios: Mohammad,
Shahrzad, Kia e Tannaz Rose.
O primogênito, porém, não ficou restrito aos negócios do pai.
Kia lançou-se no mundo do mercado de investimentos. Atuou nos
EUA. Mas, antes de surgir no cenário do futebol brasileiro, só havia sido notícia em 1999: sem falar
russo, sem nunca ter feito nenhum negócio na Rússia, foi revelado como o comprador de 85%
do "Kommersant", o principal
jornal independente do país.
A Rússia de 1999, como o Brasil
de 2005, suspeitou que ele fosse
um rosto por trás de Boris Berezovski. Kia, como agora, negou.
Um mês depois, revelou-se que
era testa-de-ferro do bilionário.
Resultado dessa primeira grande investida, o nome Kiavash Joorabchian aparece em nove empresas registradas na Companies
House -eram duas até 2000.
Dessas, apenas três têm participações de outros integrantes da família: Medway, Greens of Rainham e Greens Motor Group.
Das nove firmas do conglomerado dos Joorabchian, sete, inclusive a MSI, estão cadastradas em
um mesmo endereço em Londres: Kingsway, 71, 5º andar.
A Folha foi até lá, um prédio comercial em um dos pontos mais
charmosos da capital inglesa.
O interfone, na portaria, não
traz menção a nenhuma das empresas. No hall do quinto andar,
uma placa de metal indica a entrada para o escritório de contabilidade Wilson Wright and Co.
"Kia não trabalha aqui, nem
ninguém da família dele. Apenas
prestamos serviços de contabilidade para suas empresas", diz a
recepcionista, Thelma, antes de
anotar os contatos da reportagem
e assegurar que alguém entraria
em contato, o que não aconteceu
até o fechamento desta edição.
Havia, de fato, outra possibilidade. O contrato social da MSI registrado na Companies House cita um escritório a exatos 10 km
dali, na Finchley Road, 788-790,
perto da casa dos pais de Kia.
Em lugar nenhum
O mesmo endereço aparece no
certificado de incorporação da
MSI. O documento indica uma
certa Temple Secretaries Limited
como sendo a secretária da empresa. Aponta uma Company Directors Limited como sua única
diretora. E uma A1 Company Services Limited é mencionada como único contato da parceira do
Corinthians. As três estão sediadas na Finchley Road, 788-790.
"A MSI não funciona aqui. Somos um escritório de contabilidade." Seria uma repetição exata da
história anterior se a secretária
não se chamasse Caroline. Que
então fechou o círculo ao entregar
um pedaço de papel com o que
seria o endereço da sede da MSI:
Kingsway, 71, 5º andar.
Dessas idas e vindas, dois achados. O primeiro: a MSI, em Londres, não passa de um apanhado
de papéis registrados na Junta
Comercial inglesa. O segundo: de
acordo com o contrato social da
empresa, 0,1% de suas ações pertencem à Temple Secretaries. Falta Kia revelar os outros 99,9%.
Mas já é um furo no seu círculo.
Na sua blindagem.
(FÁBIO SEIXAS)
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