São Paulo, domingo, 27 de fevereiro de 2005

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...e o chá das cinco

"Ninguém sabe de onde vieram ou o que faziam, só que têm tino nos negócios"

DO ENVIADO A LONDRES

Sam Ala ouve o nome de Kia Joorabchian e demora a reagir. Ele é iraniano, como Kia. Vive em Londres, como Kia. Ambos têm 33 anos e são executivos bem-sucedidos. Pertencem à mesma geração: chegaram meninos à Inglaterra depois que os seus pais decidiram deixar Teerã para trás.
Mas o nome Joorabchian não provoca nenhuma fagulha. Ala recosta na cadeira, reflete alguns segundos. Enfim, estala os dedos.
"Ah, sim... Joorabchian. Eles são o típico caso de família que deixou o Irã logo depois da revolução", diz, empolgando-se à medida em que vai lembrando dos fatos. "É que eles não são muito conhecidos. No Irã, nunca foram uma família rica. Os Joorabchian não têm uma história no Irã, ninguém sabe de onde eles vieram ou o que eles faziam por lá. Só se sabe que eles têm, sim, um bom tino para os negócios."
Indicado pela Embaixada do Irã no Reino Unido como "o homem que mais conhece a comunidade iraniana em Londres", Mohammad Zafari, 40, diretor de uma editora árabe, segue pelo caminho de Ala: sabe muito pouco sobre a família do homem que desde o final do ano passado controla o futebol do Corinthians e desperta sucessivas suspeitas nas autoridades brasileiras.
Ele afirma que só recentemente ouviu falar dos Joorabchian. E foi por acidente: um amigo comentou que havia comprado um carro na revenda de um iraniano, a Medway Autos, do pai de Kia.
"Eles não freqüentam os eventos e os jantares da comunidade, nunca aparecem, não são conhecidos. E moram longe de Kensington [oeste de Londres, onde está a maior concentração iraniana da cidade]", explica Zafari.
Ou seja, mesmo dentro da comunidade iraniana, mesmo entre homens de negócio em Londres, Kia Joorabchian é um quase desconhecido, um quase anônimo.
Uma condição que causou calafrios na Rússia quando, em 1999, ele foi notícia pela primeira vez. Uma constatação que preocupa parte dos conselheiros do Corinthians. Uma situação, porém, que ele se esforça para manter.

Blindagem
Assim que descobriu que a Folha preparava esta reportagem, Kia acionou um esquema de blindagem. Entrou em contato com seu ex-colégio e sua antiga faculdade e proibiu que qualquer informação adicional fosse dada.
Coincidência ou não, os iranianos com quem a reportagem havia conversado anteriormente também se negaram a falar mais sobre o homem à frente da MSI.
De São Paulo, questionada sobre o motivo da operação de blindagem, a assessoria de imprensa do fundo de investimentos alegou que Kia "não quer ver sua vida estampada em jornais".
Preocupação que talvez fosse desnecessária não tivesse sido aquela quarta-feira, 12 de junho de 1996. Naquela data, cinco anos depois de abandonar a faculdade de administração e após uma experiência na Bolsa Internacional de Petróleo, em Londres, o iraniano tornou-se empresário.
Às vésperas de completar 25 anos, ganhou de presente do pai diretorias na Medway Autos, então revendedora exclusiva da Mercedes-Benz, e na Greens of Rainham, registrada na Companies House como distribuidora de combustível, na prática revenda e oficina autorizada da Vauxhall, braço da General Motors.
Anos depois, sua irmã caçula ganharia presente semelhante. Atualmente, a Medway Autos está igualitariamente repartida entre quatro sócios: Mohammad, Shahrzad, Kia e Tannaz Rose.
O primogênito, porém, não ficou restrito aos negócios do pai. Kia lançou-se no mundo do mercado de investimentos. Atuou nos EUA. Mas, antes de surgir no cenário do futebol brasileiro, só havia sido notícia em 1999: sem falar russo, sem nunca ter feito nenhum negócio na Rússia, foi revelado como o comprador de 85% do "Kommersant", o principal jornal independente do país.
A Rússia de 1999, como o Brasil de 2005, suspeitou que ele fosse um rosto por trás de Boris Berezovski. Kia, como agora, negou. Um mês depois, revelou-se que era testa-de-ferro do bilionário.
Resultado dessa primeira grande investida, o nome Kiavash Joorabchian aparece em nove empresas registradas na Companies House -eram duas até 2000. Dessas, apenas três têm participações de outros integrantes da família: Medway, Greens of Rainham e Greens Motor Group.
Das nove firmas do conglomerado dos Joorabchian, sete, inclusive a MSI, estão cadastradas em um mesmo endereço em Londres: Kingsway, 71, 5º andar.
A Folha foi até lá, um prédio comercial em um dos pontos mais charmosos da capital inglesa.
O interfone, na portaria, não traz menção a nenhuma das empresas. No hall do quinto andar, uma placa de metal indica a entrada para o escritório de contabilidade Wilson Wright and Co.
"Kia não trabalha aqui, nem ninguém da família dele. Apenas prestamos serviços de contabilidade para suas empresas", diz a recepcionista, Thelma, antes de anotar os contatos da reportagem e assegurar que alguém entraria em contato, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.
Havia, de fato, outra possibilidade. O contrato social da MSI registrado na Companies House cita um escritório a exatos 10 km dali, na Finchley Road, 788-790, perto da casa dos pais de Kia.

Em lugar nenhum
O mesmo endereço aparece no certificado de incorporação da MSI. O documento indica uma certa Temple Secretaries Limited como sendo a secretária da empresa. Aponta uma Company Directors Limited como sua única diretora. E uma A1 Company Services Limited é mencionada como único contato da parceira do Corinthians. As três estão sediadas na Finchley Road, 788-790.
"A MSI não funciona aqui. Somos um escritório de contabilidade." Seria uma repetição exata da história anterior se a secretária não se chamasse Caroline. Que então fechou o círculo ao entregar um pedaço de papel com o que seria o endereço da sede da MSI: Kingsway, 71, 5º andar.
Dessas idas e vindas, dois achados. O primeiro: a MSI, em Londres, não passa de um apanhado de papéis registrados na Junta Comercial inglesa. O segundo: de acordo com o contrato social da empresa, 0,1% de suas ações pertencem à Temple Secretaries. Falta Kia revelar os outros 99,9%. Mas já é um furo no seu círculo. Na sua blindagem. (FÁBIO SEIXAS)

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