São Paulo, sexta-feira, 27 de outubro de 2000

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PARAOLIMPÍADA
Sem preparo, primeira brasileira a bater dois recordes mundiais e a ganhar dois ouros em Jogos quer mais
Zebra, Rosinha faz história no arremesso

Oswanildo Dias/Folha Imagem
A brasileira Roseane Santos lança disco durante prova em que ganhou o segundo ouro em Sydney


FERNANDO ITOKAZU
ENVIADO ESPECIAL A SYDNEY

Roseane Santos, a Rosinha, tornou-se em Sydney a primeira mulher brasileira a ganhar dois ouros em uma mesma edição de Jogos Olímpicos ou Paraolímpicos.
Antes dela, Luis Cláudio Pereira conseguiu o ouro em três provas -o arremesso de peso e os lançamentos de disco e de dardo- na Paraolimpíada de Seul-88.
Rosinha, que já venceu o arremesso de peso e o lançamento de disco na Paraolimpíada-2000 (categoria F58, para atletas que competem sentadas), pode repetir o feito de Pereira, mas diz que, se isso acontecer, será um ""absurdo".
A atleta de 29 anos, que conquistou também os recordes mundiais das duas provas, disputará o lançamento de dardo amanhã à noite. ""Vou ficar em quarto ou terceiro. Se conseguir ganhar uma prata, vai ser um absurdo."
Rosinha, que participa de sua primeira Paraolimpíada, era considerada zebra nas duas provas que venceu. No arremesso de peso, sua melhor marca era 7m77. A tunisiana Khadija Jaballah, então dona do recorde mundial, tinha como melhor marca 8m50.
Em Sydney, ela chegou aos 9 m. Khadija ficou com a prata.
No lançamento de disco, Rosinha tinha a marca de 28m60. O recorde mundial, de 29m95, novamente pertencia a Khadija.
O duelo entre as duas foi apertado. Em seu terceiro lançamento, Rosinha conseguiu 30m01. Khadija, contudo, melhorou a marca em sete centímetros.
Na segunda série de três tentativas, com apenas as oito melhores atletas, Rosinha obteve dois recordes mundiais: 30m44 (quarto lançamento) e 31m58 (sexto). Khadija lançou 30m29 (quinto) e 30m82 (sexto).
Para o técnico de Rosinha, Francisco Matias, a falta de treinamento é a razão para a dificuldade da brasileira no lançamento de dardo. Segundo ele, o único dardo que a ADM (Associação dos Deficientes Motores), entidade de Recife pela qual Rosinha compete no Brasil, possui foi doado em 1985. A atleta chega a treinar com dardos de bambu.
""A ADM não tem recursos para adquirir outro. Dardo no Brasil é muito caro, custa entre R$ 600 a R$ 1.250", disse Matias.
Ele explicou que o problema de treinar com apenas um dardo é o fato de ter que buscar o objeto após cada arremesso, prejudicando o aquecimento da musculatura. Além disso, desde que a ADM recebeu o dardo de presente, a Iaaf (Federação Internacional de Atletismo) mudou as regras da prova e o centro de gravidade do objeto, o que altera toda a técnica para o lançamento.
Segundo Matias, que, além de orientar os atletas, também produz cadeiras personalizadas para seus pupilos, uma das vantagens de Rosinha é sua cadeira. Ele diz que todas as cadeiras que viu em Sydney são ruins e poderiam ficar mais próximas da linha-limite.
Apesar de dizer que Rosinha não tem tantas chances no lançamento de dardo, Matias fez questão de ressaltar que a atleta evoluiu muito e pode surpreender.
""No Pan de 99, ela conseguiu 7m77 (peso). Agora, 9 m. Ela é quem mais evoluiu no mundo."
Apesar de dizer que "conseguir a prata será um absurdo", Rosinha concorda que pode surpreender no dardo. ""Na primeira Paraolimpíada, ganhar duas provas e quebrar dois recordes mundiais também é absurdo, não é?"
Rosinha soube ontem que havia ganho uma prótese em Recife, onde mora. Contudo ela disse que pretende comprar uma da Alemanha, que custa R$ 16 mil. ""É a melhor que existe." Atualmente, a atleta recebe por mês, de dois patrocinadores, cerca de R$ 900.
Segundo Matias, a vontade da atleta, que nunca usou prótese, é andar de bicicleta e dançar.
Rosinha perdeu parte da perna esquerda após um acidente em 1990. Ela foi atropelada, na calçada em frente de sua casa, por um caminhão e, traumatizada, ficou quase dois anos sem sair de casa.
O acidente, porém, melhorou a vida dela. ""Depois que comecei a ganhar medalhas, até que gostei de ser amputada. Meu sonho era conhecer São Paulo. E estou em Sydney", disse Rosinha, ex-empregada doméstica, que estudou até a quinta série.
O início no atletismo aconteceu em 97. Rosinha percebeu que um homem a seguia com insistência -era Matias, que queria convidá-la para treinar.
Desconfiada, ela pediu a um irmão que conversasse com o estranho. Matias deixou um cartão, mas Rosinha demorou a ligar. Depois que começou a treinar, ela quase desistiu da carreira por causa de um ex-namorado.
Na véspera do Mundial da Inglaterra, sua primeira competição internacional, o ex-namorado ameaçou: ""Eu ou o atletismo".
Apesar de ficar em quinto entre 17 atletas, foi na Inglaterra que Rosinha conheceu o técnico de atletismo da Jamaica, seu atual namorado, de quem não sabe o nome completo. ""Eu o chamo de Alfredo", diz Rosinha.

O jornalista Fernando Itokazu viajou a convite do Comitê Paraolímpico Brasileiro



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