São Paulo, sexta-feira, 27 de novembro de 2009

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XICO SÁ

Aos inimigos, a ética


Até Mano Menezes pediu ao Corinthians que, contra o Flamengo, desfile com o figurino da mulher de César


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, no campeonato brasileiro da autossabotagem é assim: ninguém cumpre bem a sua parte, mas exige do outro retidão e caráter. Como quase sempre na vida, impomos uma rigorosa cartilha para os nossos vizinhos e nada de fazer o dever de casa.
Repare na encruzilhada do Corinthians. O certame estava servindo somente para aumentar os pontos no cartão de milhagem. Agora, porém, cobra-se do time, que pega o co-irmão Flamengo, a honra de uma carmelita descalça.
Todo mundo virou Sócrates, o grego, e está reinventando a ética e a roda. Eu sou mais o homônimo paraense, nacionalíssimo, que ensinou o sentido de democracia, na prática, para todas as torcidas.
Todo mundo exige honra de freira, mas as vestes de cada um, em vez do modelo da esposa romana, estão mais curtas dos que as peças do armário das nossas lindas Geisys. Impomos uma bíblia de correções para o próximo e nos escondemos no quarto com o catecismo do Carlos Zéfiro. No Brasileirão reina o medo do boleiro diante da ponta da tabela. Como se o topo representasse a condição de rei nu e deposto. Pode parecer também uma corrida de revezamento, para encher isso aqui de lugares comuns e analogias de quinta. O bastão pega fogo. Sim, pode anotar tudo, caro Humberto Werneck, para cevar a próxima edição de "O Pai dos Burros" (Arquipélago Editorial), o livro dos clichês e frases feitas.
Temos que cantar o hino do Milionário e Zé Rico enquanto auto-ajuda de primeira: "Nesta longa estrada da vida/ vou correndo e não posso parar/ na esperança de ser campeão/ alcançando o primeiro lugar". Repita comigo, prezado boleiro, eis o nosso mantra até a última rodada.
O Goiás é outro que enfrenta o tribunal de ética de todas as padarias, feiras e botequins. O clube rói o pequi moral do certame. Primeiro teve a honra posta à prova no 0x0 com o Flamengo. Hoje é cobrado a impedir a escalada do tricolor paulista.
Até o último segundo, todos serão suspeitos. Diante de qualquer vacilo natural do combate, haverá sempre um grito rubronegro, em Quixeramobim ou Nova York: "Vendidos!" Imagina então o que ouvirá a equipe do Corinthians dos são-paulinos. Por mais que tente convencer que não haverá moleza, a própria torcida pedirá que o alvinegro se comporte como ao longo da disputa: sem aquela raça toda que vingou na Copa do Brasil e nunca mais esteve de volta.
É o campeonato da disfunção erétil, amigo. Uns brocham por conhecer demais a mulher -caso do São Paulo de tantos títulos- e outros falham pela expectativa exagerada. Como cantassem uma mulher o ano inteiro e, na noite em que a dama se entrega, o cara debréia o seu caminhãozinho sob alegação de que realmente era muito areia.
Sim, óbvio que o caso do Palmeiras vale um divã à parte. É o episódio do cara que ganhou a fêmea, fez uma presença ali nas primeiras semanas, cobriu-lhe de jóias e depois esqueceu que amor é disciplina. Quando percebeu, um canalha assobiava aquela do Chico: "Por trás de um homem triste/ há sempre uma mulher feliz/ e atrás dessa mulher/ mil homens sempre tão gentis."

xico.folha@uol.com.br


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