São Paulo, terça-feira, 28 de abril de 2009

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JOSÉ ROBERTO TORERO

Gol feio ou bonito?


Um nasce do puro acaso, e outro é a vitória categórica do inimigo. Ambos doem, mas doem de modos distintos


O QUE dói mais, seu time levar um gol feio ou um gol bonito? É uma pergunta difícil de responder, uma questão que exige raciocínio e ponderação. Até já imagino a leitora com a mão no queixo, parecendo um escritor em contracapa, e o leitor olhando para o teto, tal qual estivesse com torcicolo.
Sei que é sempre terrível quando nosso time toma um gol. Mas cada gol dói de um jeito diferente. O tento sofrido no começo do jogo não nos faz sofrer do mesmo jeito que o gol tomado no último segundo. E assim também acontece com os feios e os bonitos. Ambos doem, mas doem de modos distintos.
O gol feio, porque é como se forças misteriosas estivessem contra seu clube. Parece um castigo do destino, um erro da natureza. Só isso explica a falha bisonha do goleiro, o chute que desvia num zagueiro e entra no cantinho, a canelada de sorte do centroavante. Parece que os deuses do futebol querem rir às suas custas. O triste do gol feio é que ele não é o fruto da inteligência ou da habilidade do adversário. Não se trata de um gol justo. Ele nasce do puro acaso.
Obviamente é um triunfo, mas um triunfo que tem o erro como pai e a imperfeição como mãe. E por isso, por não ser merecido por nosso inimigo, é que ele é terrivelmente doloroso. Já a bola entrando no ângulo, o chute preciso depois de um drible mortal e o cruzamento milimétrico seguido do peixinho certeiro doem por outros motivos. O gol bonito é uma vitória categórica do inimigo.
É a certeza de que seu time é inferior, de que o adversário tem o domínio de uma arte elaborada. O gol belo nos causa uma sensação de inferioridade ("por que os bons atacantes estão sempre nos outros clubes?") e de inveja ("por que este desgraçado não está no meu time?"). Pois bem, depois dessa breve exposição, volto a lhes perguntar: Qual o gol que dói mais, o feio ou o belo? O que é pior, a nossa imperfeição ou a perfeição do outro?
Esta pergunta estava havia tempos anotada em meu caderninho de "Grandes pequenas questões do futebol", e até este fim de semana eu não tinha a resposta. Mas no domingo eu estava na Vila Belmiro. E vi o terceiro gol de Ronaldo.
Vi o toque preciso e suave, vi a bola descrevendo uma bela e larga parábola, vi o goleiro no meio do caminho, sabendo-se inútil, e vi as redes balançando suavemente. Foi um golaço. E o curioso é que a torcida não xingou o goleiro, não pôs a culpa no técnico santista, não arrancou os cabelos ou socou a cadeira. Nada disso. Onde eu estava, uns olharam para os outros, como se dissessem: "Você viu o que eu vi?", "Vou lembrar desse gol para sempre" e "O desgraçado é bom mesmo".
É claro que havia tristeza, pois o 3 a 1 praticamente enterrou as chances do Santos. Mas também havia uma certa alegria no ar. Uma alegria por ter presenciado um grande lance, um momento raro, um lindo gol. Daí que já tenho a resposta para a questão inicial. E a resposta é que sofrer um gol feio dói mais, porque, quando tomamos um gol bonito, temos pelo menos o consolo de ver uma obra de arte.
E, no fim das contas, é para isso que vamos ao estádio.
torero@uol.com.br


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