São Paulo, terça, 28 de abril de 1998

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Diálogo entre o otimista Dionísio e o pessimista Apolo

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Estádio Saint-Denis. Dois brasileiros tentam superar o frio, a fome e o olhar de desprezo das francesas que passam pela rua, indiferentes ao sofrimento dos que esperam o andar da fila. Um deles está muito animado e não pára de saltitar e gritar:
"Arroz, feijão,salsinha e pimenta! Salve a seleção, o Brasil é penta!"
"Quieto, Dionísio..."
"Por quê? Aqui não é a terra da liberdade, da igualdade e da fraternidade?"
"É, e também da guilhotina".
Dionísio leva a mão à garganta, bebe um gole de vinho e pergunta:
"E aí, Apolo, já decidiu que ingresso nós vamos comprar?"
"O do jogo de abertura, contra a Escócia".
"E a final?"
"O dinheiro só dá para um jogo".
"Então vamos de final".
"Acho que a gente não chega".
"Mas essa é a melhor safra de craques dos últimos tempos!"
"Sei não. O Taffarel anda frangando, o Cafu não é mais o mesmo, o Júnior Baiano não tem muito neurônio e o Aldair sempre pode escorregar".
"Bobagem. Vamos comprar o ingresso para a final e pronto!"
"Abertura!"
"Final!!!"
"Abertura!!!"
Apolo e Dionísio eram amigos desde a infância, mas sempre tiveram opiniões diferentes. Dionísio era mais otimista que presidente do Banco Central, Apolo, mais pessimista que líder da oposição:
"O Dunga está sem chegada e o César Sampaio não teve tempo para pegar conjunto. E eu acho que o Denílson às vezes prende demais a bola e o Rivaldo vai se atrapalhar jogando pelo lado direito".
Dionísio bebeu outro gole. "Que pessimismo, Apolo, você deve estar bêbado, ic."
"E digo mais: o Romário joga coma bola no pé e o Ronaldinho vai ser tão marcado que nem vai andar em campo."
"Apolinho do céu, essa seleção é como vinho, envelheceu e melhorou. O Dunga é um líder, o Roberto Carlos e o Ronaldinho são os melhores do mundo, o Rivaldo vale por dois e o Denílson é um Garrincha canhoto. Vamos comprar o ingresso da final!"
Para provocar o amigo, Dionísio ergueu os braços, começou a bater palmas e cantou: "O resto é chuvinha, nós somos tormenta! Chora lanterninha, o Brasil é penta!"
Os dois estavam a poucos passos da hora decisiva. Apolo fez uma última tentativa:
"Vamos comprar o ingresso para o jogo da abertura. a gente vê, volta para casa e depois assiste o resto pela TV."
"Final. Eu só compro se for para a final."
"Mas e se o Brasil não estiver lá?"
Era tarde demais para discutir. O homem do guichê perguntou: "Quelle partie, monsieurs?" E Dionísio, sempre mais rápido, disse: "La decision!" Estava tudo acabado. Apolo quase arrancou os cabelos: "Isso é loucura! E se a decisão for Alemanha x Itália? Espanha x Argentina?"
"Calma, sabichão. Eu sou otimista mas não sou burro. Se o Brasil cair fora, a gente revende os ingressos e gasta tudo no Mouling Rouge. Canta comigo, canta: "Arroz!, feijão!, salsinha e pimenta! Salve a seleção, o Brasil é penta!"

José Roberto Torero escreve às terças e sábados



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