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FUTEBOL
O craque maldito
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
A revista "Placar" realizou
há alguns anos uma ampla
pesquisa nacional com torcedores
e atletas profissionais para descobrir qual era o jogador mais odiado do país. Em ambas as listas
deu Marcelinho Carioca na cabeça, seguido de perto por Edmundo e Paulo Nunes.
Edmundo está voltando ao Rio,
depois da enésima temporada
frustrada no exterior, e Paulo Nunes, até onde eu sei, está sem time,
depois de uma passagem relâmpago pelo Mogi Mirim para disputar o "Torneio da Morte" do
Campeonato Paulista.
Marcelinho, ao contrário, continua sob os holofotes. Teve participação decisiva na conquista do
Estadual do Rio pelo Vasco e segue despertando amor e ódio pelo
país afora.
Não é difícil entender por que
existe tanta resistência a Marcelinho. Seu notório cabotinismo disfarçado de humildade, sua ostensiva pregação religiosa, que contradiz muitas de suas atitudes
dentro e fora de campo, são fontes
seguras de antipatia.
"Mascarado", "falso carola",
"duas caras" e "desleal" são alguns dos epítetos mais usados para rotular o jogador. O problema
é que essa ojeriza à figura de Marcelinho muitas vezes obscurece a
avaliação de seu futebol.
É aí que quero chegar. Também
não morro de amores por Marcelinho -embora saiba que a imagem pública de uma celebridade é
sempre uma construção que tem
muito de projeção de fantasias,
desejos e frustrações alheios-,
mas o considero, sem meias-palavras, um dos melhores jogadores
brasileiros em atividade (aqui ou
no exterior).
Não apenas porque ele é um perito incomparável nas bolas paradas, mas porque domina todos os
principais fundamentos: chuta
bem com os dois pés, dribla, lança
e até cabeceia, apesar da baixa estatura. Além disso, Marcelinho
tem uma movimentação inteligente em campo, armando o jogo
a partir das laterais (tanto faz
uma como a outra), e dispõe das
qualidades raras da imaginação
e da ousadia.
Poucos jogadores de nossa época são tão decisivos para uma
equipe com seus gols e assistências. Poucos, também, são capazes de jogadas tão brilhantes e
imprevisíveis.
Alguns dirão que Marcelinho
erra passes demais e que às vezes,
na ânsia de produzir lances de
efeito, comete jogadas bisonhas.
Concordo. Mas esse é o preço que
se paga pela aposta na fantasia.
Tecnicamente, Marcelinho poderia ser chamado de craque. O
que me impede de afirmar isso
com todas as letras e sem o condicional é sua instabilidade emocional, que pode pôr a perder um
lance, um jogo, um campeonato.
Não foi esse, é bom que se diga,
o caso de sua expulsão na final
carioca contra o Fluminense. Ali,
quem deveria ter sido expulso era
o juiz. Mas foi, sim, o que ocorreu
em muitos jogos pelo Corinthians.
Apesar disso, Marcelinho é o tipo do jogador que eu queria ter
no meu time. Não na minha roda
de amigos ou como noivo da filha
que não tenho, mas no meu time
com certeza.
Novo Brasileirão
Começa hoje o primeiro Campeonato Brasileiro em pontos
corridos da história. Não tenho
dúvida de que é a fórmula mais
clara, mais justa e, a longo prazo, mais eficaz para trazer os
torcedores de volta aos estádios, propiciar melhores contratos com a TV e equilibrar as
contas dos clubes. Meu único
receio é que eventuais problemas nesta primeira edição
-por exemplo, um clube conquistar o título com várias rodadas de antecipação ou a média de público ficar abaixo do
esperado- sirvam de argumento para os rivais dos pontos
corridos, que brandiriam o surrado argumento de que "esse
sistema não faz parte da nossa
cultura". Oh, raios, acabo de
perceber que não sobrou espaço para falar de Portugal x Brasil. Fica para segunda, pois.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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