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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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FUTEBOL

O craque maldito

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A revista "Placar" realizou há alguns anos uma ampla pesquisa nacional com torcedores e atletas profissionais para descobrir qual era o jogador mais odiado do país. Em ambas as listas deu Marcelinho Carioca na cabeça, seguido de perto por Edmundo e Paulo Nunes.
Edmundo está voltando ao Rio, depois da enésima temporada frustrada no exterior, e Paulo Nunes, até onde eu sei, está sem time, depois de uma passagem relâmpago pelo Mogi Mirim para disputar o "Torneio da Morte" do Campeonato Paulista.
Marcelinho, ao contrário, continua sob os holofotes. Teve participação decisiva na conquista do Estadual do Rio pelo Vasco e segue despertando amor e ódio pelo país afora.
Não é difícil entender por que existe tanta resistência a Marcelinho. Seu notório cabotinismo disfarçado de humildade, sua ostensiva pregação religiosa, que contradiz muitas de suas atitudes dentro e fora de campo, são fontes seguras de antipatia.
"Mascarado", "falso carola", "duas caras" e "desleal" são alguns dos epítetos mais usados para rotular o jogador. O problema é que essa ojeriza à figura de Marcelinho muitas vezes obscurece a avaliação de seu futebol.
É aí que quero chegar. Também não morro de amores por Marcelinho -embora saiba que a imagem pública de uma celebridade é sempre uma construção que tem muito de projeção de fantasias, desejos e frustrações alheios-, mas o considero, sem meias-palavras, um dos melhores jogadores brasileiros em atividade (aqui ou no exterior).
Não apenas porque ele é um perito incomparável nas bolas paradas, mas porque domina todos os principais fundamentos: chuta bem com os dois pés, dribla, lança e até cabeceia, apesar da baixa estatura. Além disso, Marcelinho tem uma movimentação inteligente em campo, armando o jogo a partir das laterais (tanto faz uma como a outra), e dispõe das qualidades raras da imaginação e da ousadia.
Poucos jogadores de nossa época são tão decisivos para uma equipe com seus gols e assistências. Poucos, também, são capazes de jogadas tão brilhantes e imprevisíveis.
Alguns dirão que Marcelinho erra passes demais e que às vezes, na ânsia de produzir lances de efeito, comete jogadas bisonhas. Concordo. Mas esse é o preço que se paga pela aposta na fantasia.
Tecnicamente, Marcelinho poderia ser chamado de craque. O que me impede de afirmar isso com todas as letras e sem o condicional é sua instabilidade emocional, que pode pôr a perder um lance, um jogo, um campeonato.
Não foi esse, é bom que se diga, o caso de sua expulsão na final carioca contra o Fluminense. Ali, quem deveria ter sido expulso era o juiz. Mas foi, sim, o que ocorreu em muitos jogos pelo Corinthians.
Apesar disso, Marcelinho é o tipo do jogador que eu queria ter no meu time. Não na minha roda de amigos ou como noivo da filha que não tenho, mas no meu time com certeza.

Novo Brasileirão
Começa hoje o primeiro Campeonato Brasileiro em pontos corridos da história. Não tenho dúvida de que é a fórmula mais clara, mais justa e, a longo prazo, mais eficaz para trazer os torcedores de volta aos estádios, propiciar melhores contratos com a TV e equilibrar as contas dos clubes. Meu único receio é que eventuais problemas nesta primeira edição -por exemplo, um clube conquistar o título com várias rodadas de antecipação ou a média de público ficar abaixo do esperado- sirvam de argumento para os rivais dos pontos corridos, que brandiriam o surrado argumento de que "esse sistema não faz parte da nossa cultura". Oh, raios, acabo de perceber que não sobrou espaço para falar de Portugal x Brasil. Fica para segunda, pois.

E-mail jgcouto@uol.com.br


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