São Paulo, terça, 29 de dezembro de 1998

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Os vices são os últimos

JOSÉ ROBERTO TORERO
da Equipe de Articulistas

Esse ano foi o ano dos vices. O Brasil foi vice na Copa do Mundo, o Vasco foi vice-campeão mundial, e talvez hoje o Cruzeiro se transforme num trivice, chegando em segundo na Copa do Brasil, no Campeonato Brasileiro e na Mercosul.
Pensando sobre isso, fiz-me uma filosófica pergunta: "Há coisa pior do que ser vice?".
Como não havia ninguém por perto, eu mesmo me respondi: "Não, nada é pior do que vice."
Um racional ortodoxo poderia dizer que ser vice não é assim tão ruim; que ser terceiro, quinto ou 19º é muito pior.
Mas seria raciocínio de economista, não de torcedor.
O torcedor, melhor conhecedor dos labirintos da alma, sabe que o vice é a pior colocação possível.
O terceiro colocado passa sempre por um esforçado de futuro, do quinto se diz que fez um bom trabalho de base, e o décimo nono fez milagres para não cair para a segunda divisão.
Todas as outras colocações recebem algum elogio, menos o vice. O pobre segundo colocado talvez seja o único derrotado nas competições. E, mesmo que não seja o único, certamente é o maior de todos. Ainda mais quando há uma final de campeonato, um duelo decisivo.
Os outros participantes são apenas os outros participantes.
O vice não.
O vice é aquele que perdeu, aquele que foi vencido.
Foi ele que chegou até o último degrau e escorregou, foi que ele que chegou até os portais da glória e esqueceu a chave.
Para o vice não há consolo e, muitas vezes, nem perdão.
Várias imagens passavam pela minha cabeça para simbolizar o que é ser vice.
Deixo duas aqui na tentativa de melhor definir essa tortura, esse suplício, esse flagelo do espírito:
1) Um náufrago está à deriva durante semanas, sem ter o que comer nem beber, apenas apoiado num pequeno pedaço de madeira e castigado pelo sol inclemente. Ele então, como por milagre, vislumbra uma praia paradisíaca. Ela está a menos de cem metros. Daqui a algumas braçadas ele poderá até tocar os pés no chão. Lágrimas salgadas como o mar caem dos seus olhos. Ele está feliz, quase em êxtase. Mas aí aparece um tubarão...
2) O pára-quedista salta. Porém, como que amaldiçoado pelos deuses, seu pára-quedas não abre. Ele vê o chão se aproximando rapidamente e já pode imaginar seu corpo transformado num mórbido quebra- cabeça. É então que ele se lembra do pára-quedas reserva. Ele puxa a alça ao mesmo tempo em que reza um Pai Nosso. Funciona! Em poucos segundos, o pára- quedista está descendo lentamente, embalado por uma leve brisa. Ele encontra até tempo para observar a paisagem. Um sorriso de prazer e alívio está em seu rosto. Porém ele repara que está pousando dentro de um pequeno zoológico. Para seu azar, bem na jaula do leão. E o leão está faminto.
Enfim, ser vice é como ver um belo pôr-do-sol e queimar a retina, é ter a felicidade ao alcance da mão e ser maneta, é viver num harém, mas ser apenas um eunuco.
Pobres dos vices.
Felizes daqueles que ficam entre o décimo e o vigésimo lugar, sentados na cômoda espreguiçadeira da mediocridade.


José Roberto Torero escreve às terças-feiras e aos sábados

E-mail torero@uol.com.br



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