São Paulo, sexta-feira, 30 de abril de 2010

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XICO SÁ

Senhoras de Santana da bola


As conservadoras damas ludopédicas secam por razões estéticas: jogou bonito, tome desprezo


AMIGO TORCEDOR , amigo secador, as Senhoras de Santana, na sua versão futebolística, nunca se manifestaram com tamanha histeria. Se nos anos 1970 o grupo de mulheres católicas de São Paulo urrava a favor da censura, agora, moderno e comum de todos os gêneros, berra, goza, estrebucha com a eliminação do Barcelona da Copa dos Campeões e com o tropeço dos meninos da Vila no Mineirão.
Cadê o futebol-arte?, indagam as religiosas e conservadoras damas ludopédicas. Que fiasco, cadê o Messi, cadê o Peixe?, emendam, de canela.
Os cabelos do Dunga ficam ainda mais espetados, o tesão nacional pelos brucutus nunca foi tão explícito.
Ora, chega de moleque abusado com dancinha na beira do campo. Basta de alegria. Futebol é coisa séria, a Copa do Mundo é nossa.
As Senhoras de Santana não riem e proíbem qualquer manifesto nesse sentido. Estão fechadas com a CBF na restrição de humoristas nos treinos da seleção. Chega de "Pânico na TV", vade retro o "CQC" do Marcelo Tas, corta essa de "Legionários" etc.
É proibido fazer piada, pisar na grama, tirar onda e sobretudo rir dos contidos volantes da moral pública.
As histéricas Senhoras de Santana da retranca salivaram de prazer na quarta. O ataque do Barça só fez unzinho na fortaleza da Inter milanesa. O dunguismo, a doença infantil do futebol, triunfou mais uma vez.
À noite, as damas católicas se voltaram para Minas. O Atlético saiu com tudo e o coro tomou conta do país: cadê o futebol-arte?
Pouco importava a qualidade do Galo, no seu templo, com uma das torcidas mais aguerridas do mundo.
Pouco importava se o alvinegro praiano se ressentia da falta da sua maior estrela, que com um só olho joga mais que meio time do Dunga.
As Senhoras de Santana ludopédicas estavam de plantão, grudadas na TV, de olho no time catalão e no Peixe, os dois melhores times do mundo na atualidade. No São Paulo 2 x 3 Santos, já ensaiaram o coro reacionário. Mais parecia que os meninos da Vila haviam sido goleados. As manchetes reverberam o grande épico do tricolor. Os pivetes não são lá essas coisas.
Na derrota do Barcelona na Itália, 3 a 1, nossa, a liga das tiazinhas retranqueiras foi ao paraíso. Nem considerou os méritos do Mourinho e equipe. Surgia aí um mito precoce: o argentino não sabe jogar contra defensores latino-americanos. Pronto: sabemos como pará-lo.
E assim o dunguismo foi ganhando musculatura com os cabelos eriçados nos 220 volts. Até a convocação de Neymar virou piada, com os humoristas na frente da casa do técnico mais teimoso do universo.
A versão esportiva das Senhoras de Santana é fogo. Não seca pelo tamanho do time, pela zebra, seca por razões estéticas: jogou bonito, adeus, conta com o desprezo do grupo. Ora, quem já viu tamanho atrevimento? Para que utilizar as finas maneiras se podemos ser toscos no último? Por delicadeza, como diz um Rimbaudizinho aqui da esquina da Pompeia, perdemos a vida e a Copa de 1982. Aliás, vem daí a maioria das rabugentas criaturas que querem só ganhar, não se interessam pela mínima alegria na existência.
P.S.: O corvo Edgar traiu seu dono de novo e fechou aliança com o urubu da Gávea. Alerta, Corinthians.

xico.folha@uol.com.br


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