São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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O dia de Ronaldo

Nunca se falou tanto de um jogador após uma Copa. Ronaldo não foi campeão em 1998, mas sua derrocada física e mental às vésperas da final com a França gerou teorias de conspiração, discussão em CPI e muita história. Nos últimos anos, o brasileiro foi ao chão, sofreu com dores e medos, mas cresceu. Mais maduro para o momento mais importante de sua carreira, a final da Copa, ele joga a decisão para a surpresa de milhões que o julgavam acabado. A crise nervosa antes da final de 1998 deu lugar a um "frio na barriga" antes da estréia contra a Turquia, como confidenciou a um amigo.

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A YOKOHAMA

"A única coisa que mudou no Ronaldo foi o cabelo."
A frase acima, dita por Roberto Carlos à imprensa do mundo inteiro, ávida por saber se o colapso do atacante às vésperas da Copa de 1998 pode se repetir, está errada. Já começa pelo fato de que o lateral-esquerdo não é mais companheiro de quarto de Ronaldo, como no último Mundial. O mais famoso jogador de futebol do planeta no final do século 20 e no começo do século 21 dorme só na Ásia, como seus companheiros.
A Folha ouviu uma série de pessoas próximas a Ronaldo -que contribuíram com frases e informações abaixo- nos dias que antecederam a final da Copa que praticamente resgatou o ainda dentuço centroavante. Todas afirmam: ele mudou, e muito.
Em 1998, quando chegou à França, ele estava no auge, ostentando, por dois anos seguidos, o título de melhor jogador do mundo. Isso com apenas 21 anos. Tinha mais a perder do que a ganhar na Copa. Agora é diferente.
Depois de quase dois anos inativo, fez intensa preparação e ""teve a sorte" de chegar ao Mundial deste ano em evolução -Zidane, Figo e Beckham, entre outras estrelas estrangeiras, foram à Ásia esgotados após dura temporada.
A Copa, tão dura em 1998 com Ronaldo, foi sua amiga em 2002.
""Ninguém passou o inferno que ele passou." Foram duas cirurgias delicadas, um rompimento de tendão patelar do joelho direito que poderia encerrar sua carreira prematuramente -muitos a deram como encerrada mesmo.
""O guerreiro está ferido, morto nunca", afirmou Ronaldo após a mais demorada das cirurgias, que o fez viver mais no departamento médico da Internazionale de Milão do que dentro de campo. E viver na Itália, para um técnico atacante carioca, não é nada fácil.
""Ele não é feliz na Itália."
Ronaldo está rompido com Giovanni Branchini, homem que cuidou de seus interesses na Europa e que foi essencial para tirá-lo do Barcelona, e levá-lo à Inter.
Maduro, ""muito mais maduro", Ronaldo tem tomado decisões, importantes e pequenas, por conta própria, sem pressão.
A opção por um novo corte de cabelo, assim como a escolha de uma nova cor de chuteira, é exclusivamente de Ronaldo.
Seu tratamento -trocou os sacos de gelo após os jogos em 98 por sessões de alongamento agora- é aberto. Se na França havia a aura de super-homem em torno dele -as doídas tendinites eram minimizadas-, na Ásia ele está mais humano do que nunca -todos compreendem quando é poupado, se movimenta menos etc.
Humano. Nos últimos dois anos, Ronaldo começou a desenvolver gosto pela literatura. Mas, mais que isso, é pai de família.
No último Mundial, Suzana Werner era apenas sua namorada -teriam incomodado o atacante rumores de um flerte da modelo com um apresentador de TV.
Agora, Milene Domingues é sua mulher, ainda, apesar de muitos boatos. E ela é mãe de Ronald.
""Ronaldo diz que só ouve não de uma pessoa: de seu filho."
A atenção à imprensa continua, mas é mais controlada. O sorriso para as câmeras segue, mas agora há mais momentos reservados.
As entrevistas ainda são muitas, mas surgiram intervalos maiores entre elas, mais organizadas. E ele agora é capaz de passar por um batalhão de câmeras, microfones, gravadores e bloquinhos de anotações sem se importar com isso.
Tecnicamente, Ronaldo é outro. Aos 25, começa a deixar a velocidade e a explosão em segundo plano para explorar essencialmente a técnica e a presença de área. Seus gols mostram isso. É o artilheiro desta Copa, com seis -se fizer mais dois, alcança Pelé, que tem 12, como o maior artilheiro do Brasil em Mundiais.
Menos estrela, mais grupo. Os companheiros, longe de qualquer inveja à badalação em torno de Ronaldo, estão com ele, dão apoio, o querem bem, sempre.
Pelé, o maior jogador de todos os tempos, já o elegeu o melhor desta Copa. A mídia, sempre forte em torno dele, ""tirou um pouco o pé", mas celebra o novo Ronaldo, que já pode ser biografado.
Seria possível então uma crise nervosa? ""Ele está mais forte mentalmente, psicologicamente." O pior já passou, até a estréia na Copa. ""Ele disse que sentiu um frio na barriga na estréia da seleção brasileira, contra a Turquia."



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