São Paulo, sexta-feira, 31 de maio de 2002

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MELCHIADES FILHO

Scolari nacionalizou a legião estrangeira


Gritaria das eliminatórias foi ignorada por técnico, e jogadores que atuam no exterior vão ter a chance de calar seus críticos


"Esse Roberto Carlos é um colecionador de Rolex, mascarado, êêê cara metido a besta. Joga bem na Espanha porque tem o Zidane e o tal do Figo no time. Assim, até eu viro gênio."
"Cafu não passa de um grosso, não conhece nada de bola. Até o Maurinho cruza melhor."
"E o Roque Júnior? Pelamordedeus! Depois de arruinar o Palmeiras, não enganou ninguém na Itália. Nem sai do banco. Questão de tempo, vai ser chutado pelo Milan."
"O Edmilson, os são-paulinos dão graças a Deus que venderam para a França. Foi campeão lá no Lyon, verdade, mas todos sabem que os craques franceses jogam fora do país."
"O Emerson dá porrada, é o rei dos carrinhos. Não tem nenhum jogo de cintura. Volante brucutu. Só por isso faz sucesso na Roma."
"O Rivaldo, você deve admitir, amarela o tempo todo. Típico jogador de clube. Na seleção, se esconde, foge da partida, não dá para confiar. Ê, baiano burro..."
"O Ronaldo acabou para o futebol. Já viu saci jogando bola? O cara tem só uma perna! Sem falar que nunca ganhou nada, nadinha. Para mim, a história de fenômeno é coisa da Nike."
"O Ronaldinho, tudo bem, parece ser gente boa. Mas você se lembra do chapéu que ele aplicou no Grêmio para se mandar para Paris? Pois é, jogador de futebol é tudo mercenário..."
No ano passado, quando a pobrezinha seleção colecionava resultados adversos nas eliminatórias e vislumbrava sua primeira exclusão em Copas, o discurso seguia por aí.
Era tamanha a rejeição aos medalhões que atuavam na Europa que até muita gente do bem levantou a proposta estapafúrdia de formar uma seleção somente com atletas que jogassem no território brasileiro. Os "estrangeiros" que enchessem os bolsos e deixassem a equipe em paz.
"Estrangeiros". Como observou com perspicácia o inglês Alex Bellos, autor do recém-lançado "Futebol: The Brazilian Way" (Bloomsbury Press), como pode uma seleção criar uma unidade nacional se uma terminologia tão conspiradora contaminou a sua crônica?
Pois esse é o grande (e talvez o único) mérito de Scolari até o momento. Teimoso, o técnico insistiu com os bambambans "estrangeiros". Nove entrarão em campo como titulares diante da Turquia. Todos eles agradecidos pelo gesto do "professor" e famintos para calar o "torcedor", para provar que valem quanto cobram, para mostrar que têm coração.
Contra o brasileiro, a unidade nacional foi construída.

melk@uol.com.br



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