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TURISTA OCIDENTEAL
Na Copa dividida, país quer provar que pode fazer melhor que o Japão
A nova guerra da Coréia
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SEUL
Manhã de domingo, Seul. Começa a visita ao santuário
Chongmyo. Construído em 1396,
no alvorecer da dinastia Choson
(1392-1910), é patrimônio da humanidade. São 10h30.
Menos de quatro minutos depois, a guia Hyeon-ju, 37, anota:
""Boa parte foi destruída pelos japoneses na invasão de 1592, mas
reconstruída em 1608". A cada
edificação ou detalhe, repete: o Japão destruiu, foi reerguido. Diz isso oito vezes.
Fim da tarde de domingo, ainda
em Seul. Intervalo do amistoso
Coréia x França. Uns 20 mil torcedores se acotovelam diante dos telões instalados em três prédios.
A professora Kang Hye-seon,
23, conta o que quer do Mundial:
""Que a Coréia o organize melhor
e que vá mais longe do que o Japão". Só? ""Aqui nós não gostamos do Japão."
Manhã de terça-feira. O ônibus
turístico partiu da capital sul-coreana há pouco para a viagem de
62 km até a cidade de Panmunjom, administrada na fronteira
pelas Coréias do Sul e do Norte.
O guia Lee Sung-ki, 29, passa
por um morro e registra: ""Aqui as
mulheres coreanas vinham buscar pedras para jogar nos japoneses". Não diz quando. Cita livros,
lançados ano passado no Japão,
que são acusados por governos,
entidades e intelectuais asiáticos
de ocultar atrocidades da Segunda Guerra. ""São livros falsos."
Quando hoje a banda de instrumentos típicos coreanos soar os
acordes iniciais dos hinos da Coréia do Sul e do Japão, abrindo no
estádio de Seul a 17ª Copa do
Mundo, uma outra batalha, menos visível, mas igualmente disputada, estará se desenrolando.
Para ver qual dos anfitriões será
melhor. O mais entusiasmado. O
time superior. A Copa será jogada
em países com desconfianças,
ódios e pendengas seculares. Os
governos pretendem, com o
maior evento esportivo de uma só
modalidade, fomentar laços fortes e duradouros.
Na economia, há progressos na
aproximação. A câmara digital
com que são feitas as fotografias
desta página é da japonesa Nikon. Fabricada na Coréia.
Entreveros do passado, alguns de arrepiar, ajudam a explicar um pouco do presente, no que o jornal
"The Korea Times"
chama de "persistente antipatia na Coréia
contra o Japão". Ao
se retirarem da invasão de cinco anos, em
1597, os militares japoneses levaram orelhas e, de preferência,
narizes de coreanos.
Alguns foram arrancados com o inimigo
vivo, deixando uma
legião de sem-orelhas
e sem-narizes. Foram
carregados, e depois
queimados, 38 mil
mimos.
Em 1910, o Japão
anexou a Coréia. Ficou até 1945. Disseminou o trabalho forçado. Impôs a milhares de homens se alistar e morrer em nome do imperador nipônico. Fez
de mais de 100 mil coreanas escravas sexuais. Proibiu o futebol. Os
habitantes foram proibidos de falar a sua língua. Receberam nomes em japonês.
Antes dessas duas invasões, tinha sido a vez de a Coréia atacar a
ilha de Tsushma, do Japão. Corria
o remoto ano de 1419.
Foram-se as armas, não o mal-estar. Os japoneses continuam a
produzir piadas onde o ""português" é o coreano. Episódios que
entre brasileiros e argentinos valeriam, se tanto, um palavrão, viram embates diplomáticos.
Na semana passada, o jornal
"The Japan Times" teve de tirar
do seu site um relato sobre prostitutas em Seul. Virou uma quizumba, com protestos irados.
Funcionários coreanos reclamam que os televisores nas cabines dos estádios serão JVC, japoneses, e não nacionais. A JVC é
patrocinadora da Copa.
Outros casos recentes são mais
complexos. A Coréia reagiu quando no ano passado o primeiro-ministro japonês, Junichiro Koizumi, visitou um santuário onde
estão os restos de 13 criminosos
da Segunda Guerra. Ele repetiu a
dose. Os livros didáticos são outro
embate não-resolvido.
Os vizinhos enfrentaram-se para ter o Mundial. Ambos ganharam, mas perderam por reparti-lo. O Japão triunfou na queda-de-braço para receber a final. Definiu-se, contudo, que a Copa é Coréia-Japão, não o contrário.
Os coreanos comemoram o resultado de uma pesquisa sobre o
interesse pela Copa do Mundo em
dez países da Ásia e da Oceania. A
Coréia foi a primeira, com 89%. O
Japão, o penúltimo, com 33%.
Em Seul, a metrópole de 11 milhões onde mora um de cada quatro habitantes do país, a euforia
com a Copa supera de longe o que
se viu nos EUA-94 e na França-98.
Descrições sobre frieza têm origem na provinciana Ulsan, onde a
seleção brasileira se hospeda.
Mesmo quando erram, ao esquecer o primeiro ""o" de ""ordem e
progresso" em algumas poucas
bandeiras do Brasil, os coreanos
são simpáticos.
O Japão, aparentemente menos
empolgado, tem um trunfo para a
virada: a decisão de
30 de junho.
Um mês antes dela,
manhã de ontem
no Memorial da
Guerra, em Seul.
Uma estátua mostra
dois irmãos de lados
opostos se abraçando na Guerra da Coréia (1950-53), que
opôs o Sul capitalista
ao Norte comunista.
Soldados fazem exibições marciais. Expõem-se feitos milenares. E também as
invasões japonesas e
o fiasco no Vietnã,
onde a Coréia do Sul
apoiou os EUA e perdeu 4.770 homens.
Mesmo querendo,
parece que o país não
consegue se livrar
das guerras. Pelo menos, desta vez, a
"guerra" é só para
promover uma Copa
melhor que o Japão.
Prognósticos de vencedor são precipitados.
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