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WILL SELF
Considerações de um homem anêmico
Toda atitude de uma nação com respeito ao jogo
de futebol é uma reflexão
-em maior ou menor medida-
sobre sua própria consciência.
No caso da Inglaterra, essa autoconsciência é incalculavelmente maior. Não só os ingleses se
portam como os inventores do esporte, como acreditam que os
grandes fatos do desenvolvimento histórico e social do país no século passado estiveram diretamente ligados ao grande jogo.
Corridas de cavalos podem ser
o esporte dos reis (e a rainha Elizabeth 2ª e sua mãe, morta há
pouco, exemplificam perfeitamente isso, gastando milhões de
libras com elas), mas o futebol é o
jogo do povo.
Dessa forma, o inglês (e, em número crescente, a inglesa) fanático por futebol se vê como participante de um espetáculo altamente estilizado, no qual -perversamente- os deuses devem ser
acalmados em troca da vitória.
A despeito da europeização (e
em certa medida globalização)
da Liga Inglesa de futebol nos últimos 20 anos e da diminuição do
defensivismo de seus times por
conta disso, a expectativa da catástrofe ainda assombra o sentimento nacional.
Como um grupo de caçadores
de casaca vermelha, a Inglaterra
se apresentará, como sempre,
com o esquema 4-4-2, preparado
não para marcar gols, mas meramente para evitá-los.
Esqueça o estilo de David Beckham e seus penteados rebeldes,
esqueçam a presença no banco de
um técnico sueco (o que poderia
ser mais chato?). A verdadeira essência sobre o que a Inglaterra
sente em relação à Copa que se
aproxima está na capa desta semana da "Private Eye". Com o
Mundial coincidindo com o 50º
aniversário do reinado de Elizabeth 2ª, a revista satírica escolheu
uma fotografia de Sua Majestade
apertando as mãos de Sven-Goran Eriksson. Nos balões de diálogo, a rainha diz "a Inglaterra espera...", e o técnico responde
"...voltar cedo para casa, senhora".
O historiador Felipe Fernandez-Armesto descreveu a Inglaterra do século 20 como uma nação que "desejava fortemente o
declínio".
Claro, a mesma atitude derrotista pode ser vista em sua relação com o futebol. Masoquismo é
coloquialmente tratado pelos
franceses como o "vício inglês".
Ninguém tem uma visão mais
miserável de si do que o inglês.
Você pode ter notado ao longo
deste texto que tenho me referido
aos ingleses como se eu próprio
não fosse um deles. Há duas razões para isso. Primeiramente,
embora tenha nascido em Londres e possua um passaporte inglês, nunca fui muito patriota.
Como republicano, todo o espetáculo hagiográfico da realeza me
causa calafrios. Em segundo lugar, não sou um fã de futebol. Na
Inglaterra -e penso que o mesmo ocorra no Brasil-, isso faz de
mim um homem anêmico. Acredito que 90% dos homens ingleses
torcem por um time de futebol.
Será que os 10% restantes também são republicanos?
Enfatizei todos esses aspectos
ao editor deste conceituado jornal quando me sugeriu que eu escrevesse uma coluna durante a
Copa do Mundo.
Mas, longe de sentir que isso me
desqualificava, ele se disse interessado por minha visão desapaixonada em meio a um evento repleto de paixões.
Espero poder oferecer isso a você nos artigos semanais. Deverei
me levantar mais cedo para assistir às partidas.
Se a Inglaterra avançar até as
fases finais, prometo uma análise
aguda dos efeitos perniciosos que
isso terá na derrotista psique nacional. Se, o que é mais provável,
o time inglês voltar mais cedo para casa, estarei em posição de comentar como o veneno nacional
será derramado sobre todas as seleções estrangeiras que têm a ousadia de serem bem-sucedidas,
como a do Brasil. Aproveite.
Will Self, 38, é autor de "Cock and Bull"
e "Quantity Theory of Insanity" e um dos
mais importantes nomes da nova geração de escritores britânicos
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