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VIDAS SECAS
Jovens que moram no sertão vivem a crença de que fora dali existe "uma vida melhor"
Teens do agreste
AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Carrapateira, Monte Horebe, Bom Jesus. Os nomes são de cidades das
quais muita gente nunca nem ouviu falar. Essas três ficam no sertão da Paraíba.
E têm em comum com muitas outras espalhadas pelo país o fato de seus jovens
viverem a crença de que fora dali existe
"uma vida melhor".
"É uma monotonia só. Você fica parado direto, não faz nada diferente. Não
tem o que curtir, não tem trabalho, não
tem nada", desabafa Iarley Pereira Bezerra, 19, em frente à igreja de Carrapateira. A cidade fica praticamente isolada,
pois o acesso é uma estrada de 26 km de
terra batida, cheia de buracos.
"Queria que tivesse asfalto. Aqui quando tem uma festa quase não vem ninguém por causa da estrada, que é perigosa", reclama Maria Damiana Mendes de
Araújo, 17, estudante da sexta série que
trabalha como empregada doméstica
para ajudar os pais.
Iarley terminou o ensino médio em
uma cidade vizinha e quer sair de Carrapateira. "Gostaria de ir para São Paulo ou
para o Maranhão. A maior parte das pessoas daqui está em São Paulo e na Bahia",
diz. A idéia dele é "trabalhar em firma".
"Mas vou prestar vestibular novamente
no fim do ano para direito", conta. A
universidade que quer cursar fica em Cajazeiras, uma das maiores cidades da região, com 54.715 habitantes.
Mas são poucos os que não estão atrasados na escola ou que não largaram os
estudos para trabalhar. Morador de
Monte Horebe, Edicarlos Fernandes de
Sousa, 17, parou de estudar no ano passado, na sexta série, por causa do trabalho na roça. "Achei melhor parar porque
não dava para continuar nos dois. A gente é pobre, não sabe o que vem pela frente", diz.
Este mês, quando começa o período de
seca, Edicarlos vai para o interior de São
Paulo cortar cana-de-açúcar. "Aqui acabam as plantações, fica tudo amarelo",
diz. "Lá você sofre, mas ganha dinheiro."
Francineldo Nunes Leite, 16, vai todos os
anos para Minas Gerais trabalhar na colheita de café. "Comecei aos 13 anos e parei de estudar aos sete. Em Minas, ganho
R$ 30 por dia. Nas roças de Monte Horebe, só R$ 5", diz. Atualmente, com a mão
engessada, ele não pode trabalhar. "Estava bêbado, caí na calçada e quebrei a
mão."
Marcos de Sousa Roberto, 19, de Carrapateira, vai todo fim de ano para Irecê, na
Bahia, trabalhar como camelô. "A gente
ganha até uns trocados", diz o estudante
da oitava série. Seu sonho é ser veterinário. "A gente convive muito com animais. Se quer ir para uma serra daquelas
ali, tem que ter animais para ir. A gente
gosta muito deles", diz.
Marcos diz que não tem vontade de ir
para São Paulo. "Só as cenas que eu vejo
passando no "Cidade Alerta"... Tem muita violência lá."
Morador da mesma cidade, Orley Alves Pergentino, 19, diz que "a vida aqui é
boa, não tem violência". Ao mesmo tempo quer se mudar para São Paulo. "Aqui
é parado, o dinheiro é pouco", diz o fã de
rap e forró.
Os amigos Francinaldo Vieira da Silva,
17, Marcos José da Silva, 18, e José Solino,
20, moradores de Bom Jesus, cidade paraibana na divisa com o Ceará, gostam
de jogar baralho e futebol e de beber nas
horas de lazer. "O que não falta na cidade
é bar. A diversão das pessoas aqui é beber. O que não falta é alcoólatra", diz
Marcos.
Os três trabalham o dia inteiro nas roças de milho e feijão. "Não ganhamos salário, é "de meia". Metade da produção fica para o dono da terra e metade para a
gente."
Eleições
"Aqui no sertão muitas pessoas passam
fome. O governo só ajuda na época das
eleições, com cestas básicas, não procura
fazer poços artesianos", dispara Iarley.
Ele já decidiu seu voto na eleição presidencial. "Vou votar no Lula. O PT é um
partido que luta pelos trabalhadores, que
se preocupa com a população."
Mas nem todos têm tanta certeza em
suas escolhas políticas. "Não sei em
quem vou votar, escolhi não", diz Orley.
"Quando der a caneta de votar, eu voto.
Ou em Lula ou em Serra."
Alguns nem sabem quem são os candidatos. "Sei não. Não tenho acompanhado", diz Edicarlos. "Acho que não vou
nem votar." Maria Damiana tem título de
eleitor, mas não sabe em quem vai votar.
"Vamos ver daqui para a frente, a gente
vai ver mais as coisas como são".
Marcos Roberto, de Carrapateira, diz
que não sabe em quem vai votar para
presidente "porque a gente ainda vai saber o partido do prefeito, para depois ver
em quem vai votar". "Aqui se costuma
comprar voto, por R$ 50, mas nunca vendi o meu."
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