São Paulo, segunda-feira, 01 de julho de 2002

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VIDAS SECAS

Jovens que moram no sertão vivem a crença de que fora dali existe "uma vida melhor"

Teens do agreste

AUGUSTO PINHEIRO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Carrapateira, Monte Horebe, Bom Jesus. Os nomes são de cidades das quais muita gente nunca nem ouviu falar. Essas três ficam no sertão da Paraíba. E têm em comum com muitas outras espalhadas pelo país o fato de seus jovens viverem a crença de que fora dali existe "uma vida melhor".
"É uma monotonia só. Você fica parado direto, não faz nada diferente. Não tem o que curtir, não tem trabalho, não tem nada", desabafa Iarley Pereira Bezerra, 19, em frente à igreja de Carrapateira. A cidade fica praticamente isolada, pois o acesso é uma estrada de 26 km de terra batida, cheia de buracos.
"Queria que tivesse asfalto. Aqui quando tem uma festa quase não vem ninguém por causa da estrada, que é perigosa", reclama Maria Damiana Mendes de Araújo, 17, estudante da sexta série que trabalha como empregada doméstica para ajudar os pais.
Iarley terminou o ensino médio em uma cidade vizinha e quer sair de Carrapateira. "Gostaria de ir para São Paulo ou para o Maranhão. A maior parte das pessoas daqui está em São Paulo e na Bahia", diz. A idéia dele é "trabalhar em firma". "Mas vou prestar vestibular novamente no fim do ano para direito", conta. A universidade que quer cursar fica em Cajazeiras, uma das maiores cidades da região, com 54.715 habitantes.
Mas são poucos os que não estão atrasados na escola ou que não largaram os estudos para trabalhar. Morador de Monte Horebe, Edicarlos Fernandes de Sousa, 17, parou de estudar no ano passado, na sexta série, por causa do trabalho na roça. "Achei melhor parar porque não dava para continuar nos dois. A gente é pobre, não sabe o que vem pela frente", diz.
Este mês, quando começa o período de seca, Edicarlos vai para o interior de São Paulo cortar cana-de-açúcar. "Aqui acabam as plantações, fica tudo amarelo", diz. "Lá você sofre, mas ganha dinheiro." Francineldo Nunes Leite, 16, vai todos os anos para Minas Gerais trabalhar na colheita de café. "Comecei aos 13 anos e parei de estudar aos sete. Em Minas, ganho R$ 30 por dia. Nas roças de Monte Horebe, só R$ 5", diz. Atualmente, com a mão engessada, ele não pode trabalhar. "Estava bêbado, caí na calçada e quebrei a mão."
Marcos de Sousa Roberto, 19, de Carrapateira, vai todo fim de ano para Irecê, na Bahia, trabalhar como camelô. "A gente ganha até uns trocados", diz o estudante da oitava série. Seu sonho é ser veterinário. "A gente convive muito com animais. Se quer ir para uma serra daquelas ali, tem que ter animais para ir. A gente gosta muito deles", diz.
Marcos diz que não tem vontade de ir para São Paulo. "Só as cenas que eu vejo passando no "Cidade Alerta"... Tem muita violência lá."
Morador da mesma cidade, Orley Alves Pergentino, 19, diz que "a vida aqui é boa, não tem violência". Ao mesmo tempo quer se mudar para São Paulo. "Aqui é parado, o dinheiro é pouco", diz o fã de rap e forró.
Os amigos Francinaldo Vieira da Silva, 17, Marcos José da Silva, 18, e José Solino, 20, moradores de Bom Jesus, cidade paraibana na divisa com o Ceará, gostam de jogar baralho e futebol e de beber nas horas de lazer. "O que não falta na cidade é bar. A diversão das pessoas aqui é beber. O que não falta é alcoólatra", diz Marcos.
Os três trabalham o dia inteiro nas roças de milho e feijão. "Não ganhamos salário, é "de meia". Metade da produção fica para o dono da terra e metade para a gente."

Eleições
"Aqui no sertão muitas pessoas passam fome. O governo só ajuda na época das eleições, com cestas básicas, não procura fazer poços artesianos", dispara Iarley. Ele já decidiu seu voto na eleição presidencial. "Vou votar no Lula. O PT é um partido que luta pelos trabalhadores, que se preocupa com a população."
Mas nem todos têm tanta certeza em suas escolhas políticas. "Não sei em quem vou votar, escolhi não", diz Orley. "Quando der a caneta de votar, eu voto. Ou em Lula ou em Serra."
Alguns nem sabem quem são os candidatos. "Sei não. Não tenho acompanhado", diz Edicarlos. "Acho que não vou nem votar." Maria Damiana tem título de eleitor, mas não sabe em quem vai votar. "Vamos ver daqui para a frente, a gente vai ver mais as coisas como são".
Marcos Roberto, de Carrapateira, diz que não sabe em quem vai votar para presidente "porque a gente ainda vai saber o partido do prefeito, para depois ver em quem vai votar". "Aqui se costuma comprar voto, por R$ 50, mas nunca vendi o meu."



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