São Paulo, segunda-feira, 02 de julho de 2001

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Coisas lá de fora que nunca chegam

Nenhum desses artistas adota a missão de salvar o pop. Mas ignorar a existência deles é quase um pecado. Ouvi-los, nesses dias de inverno, é uma forma de escapar da fria ditadura imposta pelas rádios. A hora é de mergulhar numa melancolia suave ou de sair correndo para se aquecer em alguma pista lotada. O Folhateen propõe uma pequena seleção para você se deliciar nas suas férias.

Da fria Toronto (Canadá), os quatro integrantes do Stars oferecem uma versão sonora de "Luxe, Calme et Volupté" (quadro do pintor francês Henri Matisse, 1869-1954). As canções de Torquil Campbell são reflexos de "um mundo movido a sonhos, pílulas para dormir, ressentimentos e músicas de Johnny Marr (ex-Smiths)". Em "Nightsongs", estréia do Stars, a referência imediata é o eletropop do Saint Etienne (como na empolgante "Tru"). Em reverência, fizeram uma versão de "This Charming Man", dos Smiths, capaz de deixar qualquer um mais que feliz.
Também do Canadá, vem o baladeiro Rufus Wainwright, já no segundo álbum, "Poses". Com melodias saídas do teatro musical e pianos onipresentes, o cantor empresta seu vocal dramático para histórias de almas solitárias vagando por grandes cidades. Feito para quem acredita que a vida é um melodrama.
Do outro lado do Atlântico, na marítima Bristol (Inglaterra), o selo Melankolik é a definição mais que adequada para o som feito pelo Alpha. "The Impossible Thrill", sucessor de "Come from Heaven", belíssima estréia da dupla Corin Dingley e Andy Jenks, renova o pacto do trip-hop, de conjugar eletrônica com vocais lamentados na busca de uma insuperável tristeza.
Um pouco mais adiante, da ainda mais fria Noruega, vem o Kings of Convenience. A dupla de aparência nerd filia-se à chamada neo-acústica e de perto soa como primos de primeiro grau do Belle and Sebastian. "Quiet Is the New Loud", seu segundo álbum, é trilha sonora para passar as tardes olhando para o teto em busca de um sentido para a vida.
Inexplicavelmente desconhecido por aqui, apesar de estar na ativa desde 94, o trio norte-americano Low é responsável por um gênero conhecido como softcore, ou seja, antítese do barulho e da velocidade. Notas longas e dissonância premeditada vão parecer tediosas para ouvidos apressados. Em "Things We Lost In the Fire", mais recente álbum da banda, a épica "Dinossaur Act" provoca paixão à primeira audição. Se quiser ir ainda mais fundo, procure a "versão proibida para suicidas" da banda para "Transmission", do Joy Division.
Como nem tudo é só baixo astral, do frio australiano desembarca o quarteto The Avalanches, capaz de não deixar pedra sobre pedra. Pense em quatro garotos armados com toca-discos, uma infinita coleção de vinis e uma incontrolável vontade de dominar o mundo começando pela cintura dos ouvintes. Imaginativa é o mínimo que se pode dizer da colagem de hip hop, overdub, rhythm'n'blues e samplers inesperados promovida pela banda em seu álbum de estréia, "Since I Left You".
Enquanto lá fora já existe até um segundo CD do Le Tigre saindo do forno, o público brasileiro ainda espera, talvez em vão, a chegada do comentado primeiro trabalho do trio de garotas nervosas. O disco traz dois hits absolutos logo nas primeiras faixas: "Deceptacon" e "Hot Topic", que pode muito bem virar música de pista em dia de festa ou hino de garotas antenadas. Formado pela ex-Bikini Kill, Kathleen Hanna, mais Sadie Benning e Johana Fateman, o Le Tigre mistura o espírito urgente e simples do punk a adereços tecnopop. Junte a isso uma dose de crítica aliada a uma herança pseudo-feminista sem retórica chata. Pronto.
Outra banda de garotas que segue o lema "do it yourself" é a aclamada Chicks on Speed, já rotulada por muitos como um grupo de artcore. Isso porque a banda -formada por uma australiana, uma nova-iorquina e uma alemã- surgiu a partir de um projeto de arte. Apesar de não saberem tocar nada, elas encontraram em samplers e baterias eletrônicas a forma ideal de conseguir o barulho que queriam, um tecno-punk subversivo e divertido. Lançaram, por um selo próprio e independente, o disco "Chicks on Speed Will Save Us All" que mistura glamour e muito frenesi. Legal é pouco.


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