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FREE WAY
O painho dos pobres e demais embromadores
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Político já é dose. Político em
ano eleitoral é pior ainda. Mas
nada se compara a político com
mentalidade de ano eleitoral a
três anos de eleição.
É um festival de demagogias,
de promessas ocas, de propostas
mirabolantes, que só servem pra
empregar articulistas de jornais
e ludibriar a parcela ainda receptiva da população brasileira. As
últimas semanas têm sido fartas
em material de estudo.
Primeiro, vem o ACM -também conhecido como Toninho
Malvadeza pros mais chegados- defender um imposto
contra a miséria, apenas alguns
dias depois de costurar um acordo vergonhoso, que garante o
equivalente a uma transferência
de R$ 180 milhões por ano do
governo falido de um país miserável para uma multinacional
como a Ford, que fatura mais de
US$ 200 bi por ano.
Como em todo populismo, a
idéia é nobre, mas inócua: todos
os especialistas concordam que
um imposto como esse só aumentaria o atraso e a pobreza do
país, porque o que se precisa é
gerar lucro, crescer, criar empregos, e não taxar o já apertado orçamento dos brasileiros. E, tendo-se o dinheiro, transferi-lo para investimentos mais produtivos que uma Ford da vida.
Mas não é de surpreender que
tal firula venha do porta-voz máximo do maquiavelismo na política nacional. ACM e as políticas
dos Estados que vêm apoiando
-especialmente o dos militares,
no qual Toninho ganhou estofo
e mostrou a plumagem- pendem para muito longe do lado
dos pobres. O que espanta é que
gente séria dê atenção à proposta e queira embarcar nesse barco, ajudando na campanha do
candidato à Presidência (toc-toc-toc na madeira).
Até o Stevie Wonder já viu que
não se erradica miséria com canetaço. Elimina-se a pobreza
com políticas de geração de crescimento econômico, de oportunidades. Com um Estado que faça valer as regras do jogo, sem
dar dinheiro aos perdedores
nem abrir as portas da impunidade. E também com homens
comprometidos com o bem da
nação, e não com o seu próprio,
coisa que o Brasil não tem há
tempos e não sei se já teve algum
dia.
Outro canetaço, esse menos
danoso, mas também ilustrativo
da mesma mentalidade, é essa
idéia de querer fixar uma cota
(de 50%) para alunos de escolas
públicas nas universidades estatais. A idéia, mais uma vez, ótima, é diminuir o número de ricos usufruindo as benesses do
Estado. O problema é a execução.
O fato é que, hoje, os melhores
alunos saem das escolas privadas, e as universidades públicas
são as melhores. É preciso que os
melhores alunos estejam nas
melhores universidades, porque
desperdiçar talento é o último
luxo ao qual o Brasil tem direito.
Então, podem-se (e devem-se)
fazer duas coisas: cobrar de
quem tem, a fim de que pare o
abuso, e fazer com que melhore
o ensino primário público, para
que diminuam as diferenças de
oportunidade. O primeiro não
se faz porque é suicídio político.
E o segundo não se defende muito porque é coisa muito difícil e
que exige grande dose de esforço
e suor.
Como se sabe, nossos heróis
são meio macunaímicos: com
pouco (ou nenhum) caráter e
muita preguiça. Daí, ó, é o seguinte: propõe uma lei aí que leve o pessoal pobre pra faculdade
e depois tira um cochilo, que é
pra não cansar. Vai acontecer
que gente com um ensino deficitário chegue às universidades,
causando, das duas, uma: ou não
conseguem acompanhar o ritmo, ou o ritmo é abaixado para
que possam acompanhá-lo.
Em qualquer um dos casos,
perdemos todos. Mas sem estresse, né?, que o ilustre parlamentar terá dado o seu showzinho, o painho dos pobres terá
conseguido mais uns cargos, e a
galera segue firme esperando a
criação do imposto sobre os embromadores e a instituição de lei
mandando 100% dos demagogos, loroteiros e populistas para
a grande instituição de educação
estatal: Bangu 1.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor; e-mail:
desembucha@cyberdude.com
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