São Paulo, Segunda-feira, 09 de Agosto de 1999
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FREE WAY
O painho dos pobres e demais embromadores

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Político já é dose. Político em ano eleitoral é pior ainda. Mas nada se compara a político com mentalidade de ano eleitoral a três anos de eleição.
É um festival de demagogias, de promessas ocas, de propostas mirabolantes, que só servem pra empregar articulistas de jornais e ludibriar a parcela ainda receptiva da população brasileira. As últimas semanas têm sido fartas em material de estudo.
Primeiro, vem o ACM -também conhecido como Toninho Malvadeza pros mais chegados- defender um imposto contra a miséria, apenas alguns dias depois de costurar um acordo vergonhoso, que garante o equivalente a uma transferência de R$ 180 milhões por ano do governo falido de um país miserável para uma multinacional como a Ford, que fatura mais de US$ 200 bi por ano.
Como em todo populismo, a idéia é nobre, mas inócua: todos os especialistas concordam que um imposto como esse só aumentaria o atraso e a pobreza do país, porque o que se precisa é gerar lucro, crescer, criar empregos, e não taxar o já apertado orçamento dos brasileiros. E, tendo-se o dinheiro, transferi-lo para investimentos mais produtivos que uma Ford da vida.
Mas não é de surpreender que tal firula venha do porta-voz máximo do maquiavelismo na política nacional. ACM e as políticas dos Estados que vêm apoiando -especialmente o dos militares, no qual Toninho ganhou estofo e mostrou a plumagem- pendem para muito longe do lado dos pobres. O que espanta é que gente séria dê atenção à proposta e queira embarcar nesse barco, ajudando na campanha do candidato à Presidência (toc-toc-toc na madeira).
Até o Stevie Wonder já viu que não se erradica miséria com canetaço. Elimina-se a pobreza com políticas de geração de crescimento econômico, de oportunidades. Com um Estado que faça valer as regras do jogo, sem dar dinheiro aos perdedores nem abrir as portas da impunidade. E também com homens comprometidos com o bem da nação, e não com o seu próprio, coisa que o Brasil não tem há tempos e não sei se já teve algum dia.
Outro canetaço, esse menos danoso, mas também ilustrativo da mesma mentalidade, é essa idéia de querer fixar uma cota (de 50%) para alunos de escolas públicas nas universidades estatais. A idéia, mais uma vez, ótima, é diminuir o número de ricos usufruindo as benesses do Estado. O problema é a execução.
O fato é que, hoje, os melhores alunos saem das escolas privadas, e as universidades públicas são as melhores. É preciso que os melhores alunos estejam nas melhores universidades, porque desperdiçar talento é o último luxo ao qual o Brasil tem direito.
Então, podem-se (e devem-se) fazer duas coisas: cobrar de quem tem, a fim de que pare o abuso, e fazer com que melhore o ensino primário público, para que diminuam as diferenças de oportunidade. O primeiro não se faz porque é suicídio político. E o segundo não se defende muito porque é coisa muito difícil e que exige grande dose de esforço e suor.
Como se sabe, nossos heróis são meio macunaímicos: com pouco (ou nenhum) caráter e muita preguiça. Daí, ó, é o seguinte: propõe uma lei aí que leve o pessoal pobre pra faculdade e depois tira um cochilo, que é pra não cansar. Vai acontecer que gente com um ensino deficitário chegue às universidades, causando, das duas, uma: ou não conseguem acompanhar o ritmo, ou o ritmo é abaixado para que possam acompanhá-lo.
Em qualquer um dos casos, perdemos todos. Mas sem estresse, né?, que o ilustre parlamentar terá dado o seu showzinho, o painho dos pobres terá conseguido mais uns cargos, e a galera segue firme esperando a criação do imposto sobre os embromadores e a instituição de lei mandando 100% dos demagogos, loroteiros e populistas para a grande instituição de educação estatal: Bangu 1.


Gustavo Ioschpe, 22, é escritor; e-mail: desembucha@cyberdude.com


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