São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

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TRAGÉDIA

O final de 2004 foi marcado por catástrofes em dois cantos do mundo; o Folhateen ouviu jovens que vivenciaram o maremoto na Ásia e o incêndio na discoteca argentina

Tristes relatos

SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES

"Estão chamando isso de acidente, de tragédia, mas na verdade foi uma matança em massa", diz o estudante Ialeel Ternoski, 17. Na tarde da última quarta-feira, Ialeel estava na praça do bairro Once, em Buenos Aires, na capital argentina, em frente à boate República Cromañon. Foi ali que, no último dia 30, um incêndio em um show de rock matou 190 pessoas - a maioria era de jovens.
Ialeel voltou ao lugar da tragédia para ajudar a armar uma manifestação para pedir a investigação dos fatos. Desde a tragédia, muitos jovens de Buenos Aires encontraram no ativismo político uma forma de exigir mudanças e expressar indignação.
No discurso de Ialeel e de seus colegas, a revolta é comum e fala-se desde derrubar o prefeito, condenar à prisão um empresário que julgam criminoso até desbaratar um esquema de corrupção que, suspeitam, envolve o governo e a polícia de sua cidade.
Ialeel escapou da morte por acaso. Tinha convite para o show da banda de rock Callejeros, da qual é fã, mas acabou dormindo e não foi com seus amigos -uma menina de 16 e um garoto de 18, que morreram no incêndio. Há dez anos, no mesmo bairro da danceteria, um atentado terrorista à sede da entidade judaica Amia matou um tio de Ialeel e outras 84 pessoas.
Até hoje, o atentado não foi esclarecido. Nas investigações, há suspeitas de corrupção, que envolveria até o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999).
"Pela impunidade e o governo que temos, quem preparou aquele furgão [com os explosivos que destruíram a sede da Amia] continua andando na rua como se nada tivesse acontecido. Não vamos deixar isso ocorrer outra vez", afirma Ialeel.
Os jovens argentinos querem justiça, mas não violência. Na quarta, eles estavam preocupados em evitar que sua manifestação terminasse em depredação e enfrentamento com a polícia, como havia acontecido dois dias antes, numa passeata convocada pelas famílias das vítimas.
"Aquilo foi porque gente de partidos políticos que não tem nada a ver com a dor das famílias se infiltrou na passeata. Não queremos ser usados nem por políticos nem por piqueteiros [grupos de protesto de trabalhadores sem emprego]", diz o vendedor Juan Carlos Santillan, 22.
Depois da entrevista, Ialeel e Juan Carlos se juntaram à reunião em que se discutiam detalhes da manifestação. O "escritório" é um canto da praça, em que uma árvore faz sombra ao calor de 38 C do verão argentino. Muitos usam camisetas pintadas com a frase: "Não foi nem o rock nem os foguetes que mataram os garotos. Foi a corrupção". O fogo se espalhou quando um foguete disparado da platéia atingiu um tecido preso ao teto, para melhorar a acústica.
O material era tão tóxico que a maioria das vítimas morreu por asfixia, não por queimaduras. Os jovens desconfiam que o proprietário da boate, Omar Chabán, tenha subornado a fiscalização para dar esse "jeitinho" no som. Chabán recusou-se a depor. Está detido desde a semana passada.
Nas manifestações, os jovens pedem punição para Chabán e para todos que possam ter responsabilidade no episódio. É o caso da pessoa que permitiu a entrada de fogos de artifício no local. E também de quem os usou, se é que ele sobreviveu.


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