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TRAGÉDIA
O final de 2004 foi marcado por catástrofes em dois cantos do mundo; o Folhateen ouviu jovens que vivenciaram o maremoto na Ásia e o incêndio na discoteca argentina
Tristes relatos
SILVANA ARANTES
DE BUENOS AIRES
"Estão chamando isso de acidente,
de tragédia, mas na verdade foi
uma matança em massa", diz o
estudante Ialeel Ternoski, 17. Na tarde da
última quarta-feira, Ialeel estava na praça
do bairro Once, em Buenos Aires, na capital argentina, em frente à boate República
Cromañon. Foi ali que, no último dia 30,
um incêndio em um show de rock matou
190 pessoas - a maioria era de jovens.
Ialeel voltou ao lugar da tragédia para
ajudar a armar uma manifestação para pedir a investigação dos fatos. Desde a tragédia, muitos jovens de Buenos Aires encontraram no ativismo político uma forma de
exigir mudanças e expressar indignação.
No discurso de Ialeel e de seus colegas, a
revolta é comum e fala-se desde derrubar o
prefeito, condenar à prisão um empresário
que julgam criminoso até desbaratar um
esquema de corrupção que, suspeitam, envolve o governo e a polícia de sua cidade.
Ialeel escapou da morte por acaso. Tinha
convite para o show da banda de rock Callejeros, da qual é fã, mas acabou dormindo
e não foi com seus amigos -uma menina
de 16 e um garoto de 18, que morreram no
incêndio. Há dez anos, no mesmo bairro da
danceteria, um atentado terrorista à sede
da entidade judaica Amia matou um tio de
Ialeel e outras 84 pessoas.
Até hoje, o atentado não foi esclarecido.
Nas investigações, há suspeitas de corrupção, que envolveria até o ex-presidente
Carlos Menem (1989-1999).
"Pela impunidade e o governo que temos, quem preparou aquele furgão [com
os explosivos que destruíram a sede da
Amia] continua andando na rua como se
nada tivesse acontecido. Não vamos deixar
isso ocorrer outra vez", afirma Ialeel.
Os jovens argentinos querem justiça, mas
não violência. Na quarta, eles estavam
preocupados em evitar que sua manifestação terminasse em depredação e enfrentamento com a polícia, como havia acontecido dois dias antes, numa passeata convocada pelas famílias das vítimas.
"Aquilo foi porque gente de partidos políticos que não tem nada a ver com a dor
das famílias se infiltrou na passeata. Não
queremos ser usados nem por políticos
nem por piqueteiros [grupos de protesto
de trabalhadores sem emprego]", diz o
vendedor Juan Carlos Santillan, 22.
Depois da entrevista, Ialeel e Juan Carlos
se juntaram à reunião em que se discutiam
detalhes da manifestação. O "escritório" é
um canto da praça, em que uma árvore faz
sombra ao calor de 38 C do verão argentino. Muitos usam camisetas pintadas com a
frase: "Não foi nem o rock nem os foguetes
que mataram os garotos. Foi a corrupção".
O fogo se espalhou quando um foguete disparado da platéia atingiu um tecido preso
ao teto, para melhorar a acústica.
O material era tão tóxico que a maioria
das vítimas morreu por asfixia, não por
queimaduras. Os jovens desconfiam que o
proprietário da boate, Omar Chabán, tenha
subornado a fiscalização para dar esse "jeitinho" no som. Chabán recusou-se a depor.
Está detido desde a semana passada.
Nas manifestações, os jovens pedem punição para Chabán e para todos que possam ter responsabilidade no episódio. É o
caso da pessoa que permitiu a entrada de
fogos de artifício no local. E também de
quem os usou, se é que ele sobreviveu.
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